• Carregando...
Imagem: Reprodução
Imagem: Reprodução| Foto:

Se alguém quiser começar a entender o fenômeno da nova direita, tem um bom ponto de partida. Lucas Berlanza prestou um serviço de utilidade pública com esse seu Guia Bibliográfico da Nova Direita, publicado pela editora Resistência Cultural em 2017 e já merecendo nova edição. Não só porque o livro cumpre o que promete no título, servindo de fato como orientação para neófitos e desorientados, mas também pelas resenhas que oferta dos 39 livros indicados e que tornam a obra muito mais do que um guia.

Lucas é jornalista, editor dos sites “Sentinela Lacerdista” e “Boletim da Liberdade”, e trabalhava no Instituto Liberal resenhando vários livros que considerava importantes para o pensamento liberal e conservador, muitos deles encontrados na biblioteca do IL, criada pelo seu fundador, Donald Stewart. Com a quantidade de ensaios publicados, percebeu que serviriam como uma visão panorâmica dos marcos de ideias desse redespertar liberal e conservador que formaria ou deveria formar as ideias da nova direita, e decidiu reuni-los e escrever alguns outros para formar este livro.

O autor não se limitou a apresentar as resenhas envoltas numa capa, mas as organizou com critério claro em seis partes contidas entre uma introdução e conclusão, mais um apêndice. O critério foi o de selecionar livros “mais próximos das matrizes de ideias encontradas no conservadorismo de inspiração britânica e burkeana e ao liberalismo clássico”. Os títulos dados a cada uma das partes é autoexplicativo da sua intenção. A primeira é a mais importante e extensa, tratando das origens e fundamentos da ideias liberais e conservadoras que se fazem presentes no movimento brasileiro. A segunda tem a pretensão de sugerir um diálogo entre essas “ideias novas com suas contrapartes no passado do próprio país”, o que nos ajudaria a entender o Brasil. As demais partes são menores e trazem livros sobre alguns grandes ícones da política internacional, um olhar sobre adversários e inimigos, grandes temas e controvérsias e um olhar sobre os dias atuais.

É claro que obras dessa espécie sempre serão criticadas pelos livros importantes que deixaram de fora, e não seria diferente com esta, mas, ainda que se considere que um ou outro livro de relevo deveria ser incluído na lista, é impossível sustentar que os escolhidos não mereceriam estar nela. Também o critério utilizado poderia ser discutível, mas quando se acompanha mais de perto as ideias e discursos presentes nessa nova direita brasileira é muito difícil discordar do autor quando reconhece que existem outras linhas e escolas de pensamento para além das do conservadorismo inglês e do liberalismo clássico, mas apontando com acerto que “quase todas as outras ‘alas’ ou ‘facções’, como quer que prefiram se denominar, orbitam em torno de ideias e conceitos que nasceram com essas correntes”. Tem razão, estão orbitando mesmo.

Cada resenha mereceria comentários próprios, mas isso me levaria a escrever um livro a respeito e o espaço desta coluna não permite algo assim, nem o tempo me é favorável para tal empreitada. Mas algo merece destaque maior do que as próprias resenhas: a perspicácia do autor. Lucas é bom observador dos fatos e talentoso escritor a revelar uma capacidade compreensiva da realidade como poucos têm nesse meio da nova direita. Nada do que é indispensável para realizar seu projeto lhe escapou, a começar pelo que se pode afirmar com base nos fatos que formam o fenômeno da nova direita. Concordo plenamente com o autor quando afirma que se trata de um movimento formado eminentemente por jovens e cuja característica principal até aqui não é ser conservador ou liberal, mas reacionário, “na acepção de Nelson Rodrigues, ou seja, uma ‘reação a tudo que não presta’.”

É dessa constatação da realidade que Lucas partiu para definir seu critério de seleção, escrita das resenhas e organização do seu livro. Seu destinatário é muito mais o vulgo tateando em busca de orientação e que pouco conhece dessas ideias conservadoras e liberais que podem direcionar essa mera reação a alguma ação construtiva. Em suas palavras na conclusão: “(..) ainda há muito trabalho a ser feito até que a “nova direita” transponha a barreira que a separa de ser um fato político que, mais do que secundar protestos de peso que pediam a queda de um sistema de poder, coloque-a no centro das decisões políticas e no exercício efetivo do poder. Afinal, é isso que ela quererá em última instância. (…) Lutamos para mostrar que a verdade existe, sim, e que antes de ‘desconstruir’ tudo, deveríamos pensar: que tal construir alguma coisa?”

Boa pergunta, mas, se depender da forma como parte desta “nova direita” recepcionou o livro, isso irá demorar, se é que construirá algo. Em mais um exemplo de que essa “nova direita” é muito mais preocupada com política e eleição do que qualquer outra coisa, o livro de Lucas Berlanza se viu envolvido numa polêmica tosca criada pelo deputado Eduardo Bolsonaro contra outro expoente dessa nova direita, Alexandre Borges, por causa de uma foto postada por este com o ex-prefeito de São Paulo João Dória, de forma privada, em uma rede social. Essa “treta” foi o que transformou a expressão “socialista fabiano” em xingamento dentro da “nova direita”, que desde então vem sendo usado e abusado para condenar qualquer um que não pareça suficientemente de direita àquele que xinga.

Se destaco esse fato lamentável é porque ele é também simbólico do maior risco que essa nova direita corre e está incorrendo: o obscurantismo, como bem apontou o próprio Lucas em um texto posterior à confusão: “No entanto, estou convencido de que a falsa associação da foto, embora eu saiba que o deputado do PSC não tinha intenção de me agredir, já que sequer me conhece, estabeleceu narrativas e impulsionou um séquito de acéfalos e afobados a espalharem mentiras de toda sorte e distorcerem tudo sem nem ao menos dar chance a uma leitura. A atitude obscurantista é tão notória que recebi comentários do gênero ‘não fui com a tua cara, não li nem nunca lerei esta porcaria que escrevestes’. Houve ainda ao menos uma página com mais de 600 mil seguidores no Facebook me acusando de ser um ‘liberaloide Doriana’ querendo cooptar conservadores com ‘literatura tendenciosa’ em prol do ‘socialismo fabiano’, propondo um boicote à minha jovem obra”.

Infelizmente, essa impostura de condenar sem informação, muito menos leitura, tem sido comum na “nova direita”. Qualquer um que leia o Guia Bibliográfico da Nova Direita perceberá sem dificuldade que a crítica e acusação feitas não fazem o menor sentido, até porque a social-democracia do PSDB é tratada na parte sobre os inimigos da “nova direita”. Uma mera folheada no índice já esclareceria isso. Mas, quando não há interesse em conhecer, se informar, mas tão somente em combater o que lhe parecer divergente, não há apelo ao bom senso que vingue. O que me faz pensar se o risco de semear confusão que Lucas aponta na introdução do livro como sendo passível de ser causado pela esquerda não é muito maior vindo de dentro da própria direita.

É lamentável que uma obra com um potencial orientador imenso para essa jovem “nova direita” tenha sido assim recepcionada por parte relevante dela e que talvez seja a que mais precise de instrução por ser a mais reacionária. Resta torcer para que essas “tretas” passem e as boas obras fiquem, como este livro de Lucas Berlanza. Arrisco dizer: se a “nova direita” se tornar algo mais do que o que vem sendo, será porque largou mão de politicagem e foi se educar. Aliás, deveria começar lendo os livros indicados neste guia bibliográfico. Passaria menos vergonha, pelo menos.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]