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Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Marcello Casal Jr./Agência Brasil| Foto:

Em janeiro de 2003, dias depois da posse do hoje presidiário Lula, estava eu a descansar nas areias do Litoral paranaense conversando debaixo do guarda-sol com um amigo entusiasmado com a “nova era” que se iniciava. A esquerda, enfim, não podia mais fingir que não estava no poder e sua esperança era plena.

Emocionado, contava-me da alegria do dia da posse, caminhando pelo centro de Curitiba como se fosse conquista de Copa do Mundo, pendurando-se nos postes cantando os jingles petistas. Eu apenas sorria, contagiado pela alegria dele, de verdade. Repetia, mais para si, quão simbólico era um torneiro mecânico ter chegado à Presidência da República. Eu concordava, era mesmo.

Mas, como minha animação era inexistente, pelo contrário, insistia em tentar me convencer de quão bom isso seria para o país. Não obtendo sucesso, resolveu me perguntar o que eu achava, o que era apenas uma coisa: aquilo tudo era inevitável. O PT havia conquistado um capital político considerável durante a década de 90, o que, somado ao desaparecimento da direita, tornava apenas questão de tempo a sua vitória, até tinha demorado. Se isso seria bom ou ruim, o tempo diria (e disse), mas que teríamos de passar por isso em algum momento da nossa história, teríamos.

Se a chegada de Lula ao poder era inevitável, a de Jair Bolsonaro é inacreditável. Continua sendo. Ainda estamos naquele intervalo de incerteza, de desconcerto das coisas, esteja você deslumbrado com isso, como meu amigo esquerdista estava com Lula (e há muitos assim hoje), esteja você apavorado com o que vem por aí. Ainda estamos feridos de espanto, sob o impacto do que Taleb (se a extrema-imprensa quisesse entender minimamente o que está acontecendo, deveria lê-lo, aliás) chama de “cisne negro”, ou seja, um evento improvável e só compreensível depois que aconteceu. Como mal começou, é melhor ir devagar com o andor das certezas e conclusões.

Tenho tentado acompanhar as opiniões “especializadas”, seja na grande imprensa ou nos canais alternativos pelas redes sociais, mas o incômodo de não saber e menos ainda compreender parece ser insuportável para muitos. A turma da imprensa alternativa que ganhou lugar de honra durante a posse estava como meu amigo petista em 2002, fascinada com o “agora é nóiz”. A turma da tolerância e pluralidade segue com sua intolerância ao que não é espelho, enquanto os supostos descamisados de ideologia se acham iluminados de prudência, mas só conseguem arrotar muita má vontade, exalando um pavor inconfesso de humilhar sua vaidade. Esses nunca colocarão seu “skin in the game”, para citar Taleb mais uma vez.

Enfim, dos chiliques de rainha destronada da colunista da Folha de S.Paulo por ter sido obrigada (como todo mundo) a respeitar as diretrizes de segurança durante a cerimônia de posse, que foram elevadas por razões óbvias, ao deslumbramento com discursos ministeriais ainda vazios de anúncios de medidas concretas, tão somente com diretrizes já conhecidas, creio haver lugar para quem esteja apenas incerto e esperançoso com a nova “Nova Era”.

Que podemos fazer quando se inicia novo ciclo senão desejar que o melhor aconteça? Por isso, aos amigos esquerdistas crentes que está a começar o Apocalipse, faço votos para que sejam resistentes na esperança, ainda que seja uma esperança mirrada, famélica, como a minha de 2002. É permitido ter esperança, acreditem. Já aos amigos de direita, lembro Fernando Pessoa: “Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas”.

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