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Foto: Arquidiocese de Porto Velho
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Quando iniciei esta série de artigos sobre a “nova direita”, destaquei cinco áreas onde ela se faz notar. Primeiro e antes de tudo, na internet, especialmente em redes sociais, onde demonstra muita força, contrastando com a influência ainda incipiente, mas crescente, na política, imprensa, meio editorial e universidades. Agora, é preciso incluir mais uma: dentro da Igreja Católica.

É evidente que a Igreja Católica não passaria incólume à devastação cultural e educacional em cujos escombros vivemos. No caso específico, a mutação da estratégia da esquerda, abandonando aos poucos a guerrilha armada pela guerra cultural, se deu na Igreja Católica pelo uso da espúria “teologia da libertação”, datada de 1968, e disseminada no Brasil através das CEBs, as chamadas Comunidades Eclesiais de Base, criadas na década de 1970 com o propósito de aproximar, reunir e articular pequenas comunidades locais espalhadas pelo país, muitas em quase total isolamento. Uma ideia excelente e necessária.

Na prática, porém, desde o primeiro momento as CEBs se tornaram a “casa” dessa perverteologia da libertação, não da Igreja Católica. Como afirmou Frei Betto no 14.º Encontro Intereclesial das CEBs, realizado em Londrina recentemente, elas formaram uma espécie de “posto de gasolina” da esquerda nacional, abastecendo os movimentos sociais, sindicatos, ONGs e, last but not least, o PT, conforme se comprova também por um famoso vídeo de Lula, gravado durante uma viagem de avião, em que fala quem “está por trás” dele, como também em uma carta sua enviada ao 11.º Intereclesial das CEBs em que disse: “vocês sabem bem o quanto me são caras as CEBs, e como eu reconheço o papel que (…) desempenharam na formação de Movimentos Populares, em apoio ao movimento sindical e, em particular, ao PT”.

Apesar de essa “teologia” ter sido condenada pela Igreja Católica diversas vezes, no Brasil ela seguiu sendo aplicada como se nunca tivesse sido e as CEBs continuam sendo sua “casa”, conforme se viu nesse 14.º Intereclesial em Londrina, graças aos vídeos que Bernardo Pires Küster publicou em seus perfis de redes sociais e que podem ser acessados, pela ordem, em seu blog no site Sempre Família, vinculado a esta Gazeta do Povo.

A esses vídeos somente duas reações foram e são possíveis. Uma, de perplexidade diante dos fatos revelados, por sua quantidade e gravidade, ainda que não sejam novidade, gerando uma justa indignação que desembocou em inúmeros pedidos de leigos fiéis para que seus padres, bispos e o próprio núncio apostólico se manifestem, expliquem o que está acontecendo e tomem providências. A outra, de perplexidade diante da ousadia de Bernardo “falar como falou” para e sobre bispos e padres, considerando inaceitável seu tom, que seria um descumprimento ao Quarto Mandamento (honrar pai e mãe).

Uma reação não exclui a outra, é claro, mas, ainda que se considere errada a forma como Bernardo se manifestou (eu não considero), infinitamente piores são os fatos revelados. Por isso mesmo, quem saia em defesa dos bispos e padres supostamente atacados, mas evitando falar dos fatos escancarados, demonstra não apenas uma total falta de senso de proporções, mas também o maior sintoma do sucesso da ideologização que envenenou não só a Igreja Católica, mas todo o país: o temor de reagir contra isso para não parecer ideológico “do outro lado”. Como se a reação à ideologia de esquerda só pudesse significar que o “reacionário” seja “de direita”.

Foi e é assim, aliás, que quase todos os padres e bispos que se manifestaram contra os vídeos de Bernardo têm considerado as críticas feitas, como o arcebispo de Curitiba, dom José Antônio Peruzzo, que, ao sair em defesa do indefensável em um vídeo postado na página da Arquidiocese no Facebook, afirmou: “Escutem, o marxismo teve graves erros; o capitalismo está bom?” É preciso desconsiderar completamente as falas do Bernardo, o conteúdo de seus vídeos, os fatos filmados, os documentos mostrados, as fontes apontadas, para sair falando em capitalismo. Em nenhum momento se fez defesa de outra coisa que não seja a tradição da Igreja, o Catecismo e por aí vai. Em nenhum momento se falou em “capitalismo”, em “direita”, em qualquer coisa que não seja ou não venha da doutrina católica.

Se Bernardo é de direita, tanto faz como tanto fez, os fatos que ele apontou falam por si. E são escandalosos. Nesse caso, ele falou e fala como leigo católico e, enquanto tal, tem obrigação de rejeitar e se insurgir contra a teologia da libertação onde quer que ela esteja. Por que, então, estou incluindo o Bernardo e esses fatos recentes dentro desse rascunho de uma história da “nova direita”?

Porque uma das coisas que essa história revela é justamente o quanto esta expressão “nova direita”, embora tenha pegado e venha servindo de guarda-chuva para fenômenos e ações muito diversas, não dá conta de expressar o que realmente está acontecendo na sociedade brasileira. A expressão não apenas reduz tudo ao âmbito político-ideológico, mas em alguns casos é francamente inaplicável, como neste citado acima e em tantos outros em que o que há, de fato, são reações à prostituição ideológica causada pela esquerda na imprensa, meio editorial, universidades e também na Igreja Católica.

Se no âmbito político essas mais variadas reações naturalmente tendem a se abrigar “à direita” hoje, porque os males e perigos vêm mais da esquerda, nada impede que amanhã ou depois esses mesmos ou novos males e riscos venham da direita, obrigando as eventuais reações a serem naturalmente deslocadas à esquerda, como já aconteceu em outros momentos da história, aliás.

Esquerda e direita são sempre conceitos relativos, posicionais. Ninguém “é” de esquerda ou de direita, apenas se pode estar à direita ou esquerda de algo. Sem saber que algo é esse, defender esquerda e direita são apenas duas maneiras de não saber onde se está nem entender nada do que se passa. É por isso que desde o primeiro momento tenho tratado essa “nova direita” assim, entre aspas, porque a posição político-ideológica momentânea de muitos de seus atores não presta para definir quem são, muito menos dá identidade a ações dispersas que ainda não chegaram a formar um “movimento”, até porque todas as tentativas para tanto irão esbarrar em múltiplas diferenças internas inconciliáveis, salvo momentaneamente e em casos específicos em que mal se tem escolha, como em uma eleição presidencial. E nem assim ela tem se unido, aliás. Pelo menos por enquanto, salvo assim, entre aspas.

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