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Sonhando com um natal branco/ Com cada cartão de natal que escrevo/ Que seus dias sejam felizes e brilhantes/ E que todos os seus natais sejam brancos
Sonhando com um natal branco/ Com cada cartão de natal que escrevo/ Que seus dias sejam felizes e brilhantes/ E que todos os seus natais sejam brancos| Foto:

O compositor da mais famosa música de Natal, White Christmas, era agnóstico, vindo de família judia foragida da Rússia por conta de perseguição religiosa. Quando Irving Berlin era garoto, gostava de escapar de casa para espiar os vizinhos celebrando o dia de Natal. Em um livro de memórias de sua filha Mary Ellin, “Irving Berlin, a Daughter’s Memoir”, consta que Berlin acreditava em um natal americano secular, uma festa genérica de que todos pudessem participar, não fosse apenas uma celebração cristã. A letra de White Christmas, que foi durante muito tempo a música mais vendida de todos os tempos, é praticamente um hino dessa festa secularizada:

Sonhando com um natal branco

Com cada cartão de natal que escrevo

Que seus dias sejam felizes e brilhantes

E que todos os seus natais sejam brancos

Como disse Philip Roth, em “Operação Shylock: uma confissão”, Berlin conseguiu fazer algo genial, afinal, conseguir descristianizar o Natal transformando-o em um feriado sobre a neve e todo mundo gostar e cantar até hoje não é pouca coisa. Mas a razão maior do sucesso da música teve mais a ver com o contexto em que ela foi lançada, em plena Segunda Guerra Mmundial, o que deu à melancolia da melodia e à nostalgia da letra (Sonhando com um natal branco / como aqueles que eu conheci) um sentido maior.

Ela foi composta por encomenda para um filme musical de Hollywood estrelando Bing Crosby e Fred Astaire e que também entrou para o panteão dos filmes natalinos seculares: “Holiday Inn”, que no Brasil ganhou a tradução infeliz de “Duas Semanas de Prazer”. Tanto a música quanto o filme são belos, valem a pena ser vistos e revistos, até porque – e aí vem a parte divertida – combinam mesmo com o espírito verdadeiro do Natal.

Deixe-me tentar explicar.

O filme traz uma reflexão sobre a passagem do tempo. Existem dois tipos de tempo: o do relógio, que só faz passar; e o cíclico, que sempre retorna, como o tempo das estações do ano. O filme trabalha com essa noção do tempo cíclico humano, passeando através dos feriados que retornam ano a ano. As confusões e dramas dos personagens também se repetem ciclicamente e quando tudo se resolve no fim já não é um novo ciclo que começará, mas uma vida nova. É aí que White Christmas ganha sentido para além do tempo da história.

A primeira vez em que a música aparece é quando o personagem de Bing Crosby a apresenta para a personagem de Marjorie Reynolds, sua dupla de palco e por quem se apaixona no filme, mas a quem quase perde por repetir os erros do passado que se tornaram cíclicos. No fim, quebrando a corrente de desistências, ele decide ir atrás da amada que está a filmar em Hollywood. Ele se esconde atrás do cenário e, na cena em que ela canta essa mesma música, ele assobia junto e acaba entrando para cantar também. Aí já viu: lágrimas, beijão de cinema e a partir dali não se separaram mais. Há algo, portanto, nessa música que não fica preso ao tempo cíclico do filme, muito menos ao do relógio, mas que ressignifica tudo que foi vivido até ali e estabelece uma nova vida a partir dela.

Ora, é exatamente isso que o Natal enquanto celebração do nascimento de Jesus Cristo significa. E é a partir desse significado que o tempo cíclico do Natal se torna muito maior e mais relevante do que um mero feriado anual. O Natal nunca se esgota na ciclicidade da secularidade, mas faz dessa mesma secularidade uma porta e um espelho ao seu sentido mais profundo e perene do Verbo que se fez carne.

Daí porque todo o tempo anterior ao Natal, que a Igreja chama de Advento, é um tempo de esperança. É um tempo que está por acabar para que um novo tempo venha, o tempo da boa nova da salvação. Por isso é um tempo ambíguo, em que tudo vai se encerrando como o dia que escurece na noite, ao mesmo tempo em que tudo ressurge iluminado pelo sol de um novo tempo. Daí dois sentimentos comuns na época de Natal: o da alegria pela luz crescente, o da nostalgia pelo que acabou.

Um dos símbolos mais conhecidos do Natal é a coroa do Advento, contendo quatro velas que vão sendo acesas domingo a domingo até o nascimento de Cristo. Na sua origem as velas eram escuras e com o passar do tempo iam se tornando mais claras, simbolizando a aproximação do nascimento do menino Jesus, até ficarem inteiramente brancas, num verdadeiro Natal Branco. Agora voltemos à White Christmas e vejamos como o significado cristão não deixa de estar ali também, ainda que à revelia:

Sonhando com um natal branco

Com cada cartão de natal que escrevo

Que seus dias sejam felizes e brilhantes

E que todos os seus natais sejam brancos

Que assim seja, que neste Natal a luz do menino Jesus brilhe como nunca antes, brilhe como sempre. Amém.

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