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Foto: Matheus Bazzo/Divulgação/O Jardim das Aflições
Foto: Matheus Bazzo/Divulgação/O Jardim das Aflições| Foto:

“Eu gostaria apenas que as pessoas que hoje têm acesso a muitas informações e enxergam uma continuidade na cultura brasileira pudessem entender que houve um momento, na década de 1990, em que de fato só parecia existir publicamente, ou midiaticamente, um Brasil novo, que teria como guias intelectuais alguns cantores da MPB.” Comungo desse desejo de Pedro Sette-Câmara nesse seu texto “Algumas memórias da década de 1990”, publicado no primeiro número da extinta revista Nabuco, no segundo semestre de 2014.

Não há como se contar a história do surgimento da tal “nova direita” sem retornar ao lixão intelectual dos anos 90, pelo menos. Mais precisamente a esse momento referido por Pedro, um dos indivíduos descolados daquele “Brasil novo” surgido dos escombros da ditadura, tipicamente gramsciano, com cantores de MPB tornando-se guias intelectuais de fato. No Guia Politicamente Incorreto dos Anos 80 Pelo Rock, aliás, Lobão descreve como esses mandarins culturais foram ameaçados de perder seu controle sobre a cultura naquela década para depois retomá-lo por completo nos anos 90. Ele promete desmascará-los muito mais num próximo guia prometido sobre a MPB.

Para se ter noção desse então “Brasil novo”, nada melhor do que reler a famosa entrevista do poeta Bruno Tolentino – das poucas vozes destoantes da hegemônica da época – às páginas amarelas da revista Veja, publicada em 1996. Cito um trecho dos vários significativos:

VEJA – Por que só o senhor, e não outros críticos, diz essas coisas?

TOLENTINO – Na República das Letras, ainda estamos à espera das diretas-já. A usurpação do poder legal por 20 anos deixou-nos seus legados nas patotas literárias que desde então controlam a entrada em circulação, ou a exclusão pelo silêncio, de livros, autores, obras inteiras. Nas redações dos jornais como nas universidades, prevalece a censura, e o único critério para sancionar uma obra parece ser o bom comportamento do neófito, sua genuflexão aos ícones da hora. Nossa crítica suicidou-se, matando o diálogo, o debate e a polêmica. Mascarados de universitários, esses anõezinhos conseguem dar a impressão de que a inteligência nacional encolheu, de que, em Lilliput, só se sabe da cintura para baixo. Quem já ouviu falar de Alberto Cunha Melo, que vive escondido no Recife, e é nosso maior poeta desde João Cabral? São dele estas palavras: ‘Viver, simplesmente viver, meu cão faz isso muito bem’. Mas José Miguel Wisnik ora é crítico, ora é letrista e compositor, portanto é catedrático. Os violeiros empoleiraram-se nas cátedras, e Fernando Pessoa virou afluente da MPB. Não é à toa que até em Portugal os brasileiros viraram piada. Ouvi uma que provocava gargalhada logo à primeira frase: ‘Um intelectual brasileiro ia começar a ler Camões quando a banda passou e…’ É preciso perguntar dia e noite: por que Chico, Caetano e Benjor no lugar de Bandeira, Adélia Prado e Ferreira Gullar?”

Agora, imagine o que era ser um jovem em torno dos 20 anos naufragando em meio ao lixão intelectual brasileiro daquela época, sem ter a quem recorrer, nem mesmo sabendo direito o que estava errado, apenas sentindo que havia algo de muito errado. Em suas memórias, Pedro conta como chegou a Bruno Tolentino e Olavo e Carvalho e, através deste, foi apresentado a vários outros intelectuais de um “Brasil velho”, como Meira Penna e Julio Fleichman, e a um número imenso de autores nacionais e estrangeiros até então desconhecidos e que lhe descortinaram todo um universo cultural que estava a léguas de distância daquele brasilzinho novo. Como afirma Pedro: “Uma das coisas que Olavo fez (…) foi unir pessoas de gerações diferentes e assegurar alguma espécie de continuidade”.

Eu sou da mesma geração do Pedro e testemunha deste mesmo fato cultural e histórico. Embora não morasse no Rio de Janeiro, nem tivesse contato com nenhum intelectual, tampouco cheguei a conversar com o Pedro (nem sequer o conheço), tinha o site do filósofo como ponte para todos, com suas centenas de textos e mais ainda de indicações de leituras e autores por conhecer. A mesma metanoia que o Pedro passou naquela época eu passava por aqui em Curitiba, mas tampouco sozinho, porque partilhei as descobertas com alguns amigos e acabamos sendo interlocutores uns dos outros.

É historicamente inegável que tudo o que veio a acontecer depois e que ganharia o nome de “nova direita” só aconteceu por causa daquele momento nos anos 90, por causa da ação de pessoas como Bruno Tolentino e Olavo de Carvalho, sendo que este tem muito mais importância histórica, não apenas porque permanece firme e forte na ativa – ao contrário de Bruno, que morreu cedo demais –, mas principalmente porque foi ele o grande construtor de pontes entre gerações e o porteiro para o acesso a uma cultura que nos era sonegada e que hoje está facilmente à disposição ao alcance de um clique.

Para se ter noção do quanto ali se encontra a origem do que viria a ser a “nova direita”, basta atentar para as pontas culturais atadas pelo filósofo. Não era apenas acesso e introdução à alta-cultura brasileira e universal, mas também ao liberalismo econômico que vagava como fantasma nas incipientes ações do Instituto Liberal do Rio de Janeiro, antes de ele se tornar um think tank mais relevante no século 21, ao conservadorismo e ao tradicionalismo católico. Não estou dizendo que Olavo foi o grande responsável por essas coisas existirem ou continuarem a existir no país, estou falando de ele ser o construtor de pontes entre tudo isso, o porteiro que deu acesso a muitos para que conhecessem pela primeira vez essas coisas. Tanto foi assim que aposto quanto quiserem ser impossível encontrar alguma corrente integrante dessa “nova direita” atual que não tenha algum ponto de contato com a ação de Olavo de Carvalho durante essas décadas. No mínimo deve sua possibilidade de existir graças à ação dele.

É óbvio que dizer essas coisas parecerá exagero, puxa-saquismo etc. Mas não é. É uma verdade histórica, goste-se ou não. E isso precisa ser dito em alto e bom som para que não falseemos mais uma vez a história brasileira por interesses outros que não a verdade do que aconteceu. Se a “nova direita”, seja liberal, conservadora ou “nova”, quiser ter alguma durabilidade no tempo e ser de fato diferente da esquerda do “Brasil novo”, não pode ignorar de onde veio, nem a quem deve sua existência. Parafraseando o Pedro, houve um momento na década de 90 que não havia mais nada, quase ninguém, salvo Bruno Tolentino e Olavo de Carvalho como tabuinhas de salvação para náufragos inconscientes do próprio naufrágio.

É por isso que nessa série de artigos em que estou tentando mapear um pouco da história do surgimento dessa “nova direita”, a presença de Olavo de Carvalho será constante, permanente. E a razão para isso será exposta caso a caso, como se verá na semana que vem, quando continuarei a falar dessa época e do próprio Pedro Sette-Câmara, agora como um dos responsáveis pelo primeiro jornalzinho universitário de combate cultural que a “nova direita”, que nem existia, teve. E adivinha o que aconteceu? Sim, foi censurado e o Pedro chegou a apanhar da militância esquerdista por causa disso. Mas essa história fica para a semana que vem. Encerro fazendo minhas as palavras do Pedro, comparando o momento atual com aquele crucial da década de 90: “Como é boa a sensação de não mais viver num deserto”. Por essas e muitas outras, todo agradecimento será pouco a pessoas como Bruno Tolentino e, mais ainda e principalmente, Olavo de Carvalho.

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