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“O brasileiro não se considera preconceituoso, mas comete preconceito sem perceber”. Assim o apresentador Tadeu Schmidt iniciou uma matéria sobre intolerância no programa Fantástico do último domingo. Segundo ele, isso é o que revelaria uma pesquisa Ibope feita com 2 mil brasileiros, demonstrando que 99% já praticaram machismo, outros 97% já teriam sido racistas e por aí vai. Fiquei estupefato. De onde o programa concluiu que não nos consideramos preconceituosos se tantos admitem precisamente isso?

Mas isso era só o início de uma das reportagens mais maliciosas que já vi na grande imprensa brasileira. Em seguida veio a apresentadora dizendo que o Fantástico queria propor uma reflexão sobre intolerância, ao que se seguiu um verdadeiro show de intolerância do próprio programa. Primeiro, destilou preconceito contra evangélicos, associando-os a traficantes, como se o ato de um traficante gravando um vídeo em que obrigava uma mãe de santo a quebrar seus objetos de culto tivesse mais a ver com o fato de ele ser evangélico do que traficante. Como se essa conduta de exibicionismo não fosse típica de traficantes impondo sua “ordem” onde mandam. Mas para o programa o problema não era esse, era o traficante ser evangélico. Fosse traficante apenas, duvido fizesse parte da “reflexão” iniciada.

Na sequência, trataram do caso da exposição sexual do Santander, cinicamente perguntando: “quem tem razão?” Afirmo que foi cinicamente porque não apenas somente um dos lados teve voz na reportagem, como foi tratado o tempo todo como sendo o “lado certo”. Foram ouvidos uma das artistas e, depois, um “especialista” colocado como “juiz” a dizer que a liberdade de expressão prevalece desde que não se infrinja a lei, o que a matéria tentava provar que não aconteceu. Ora, mas foi precisamente isso que ocorreu, pois houve flagrante e inequívoco crime de vilipêndio a objeto de culto na obra com hóstias escritas com obscenidades, o que é escancaradamente a prova desse crime. Além disso, a infringência ao próprio princípio norteador do Estatuto da Criança e do Adolescente está escancarada no projeto apresentado para angariar recursos públicos para sua realização: “busca-se estimular o ensino da arte como instrumento transdisciplinar, articulando-o ao currículo escolar“ e “pretende-se com o resultado aproximar o público escolar das diversas linguagens da arte contemporânea e seus autores”. Ou seja, não houve nenhum descuido ou desatenção ao não indicarem faixa etária para visitação da exposição, mas uma conduta dolosa de expô-la a crianças e adolescentes.

Por que esses fatos comprovados não estiveram presentes na “reflexão” do Fantástico? Porque não se tratou de reflexão, é óbvio, mas da tentativa de impor uma determinada visão de mundo sobre qualquer outra que dela discorde, acusando-as de fazerem o que ela própria estava a fazer naquele mesmo instante. Essa tática continuou no tratamento dado ao peladão do MAM, que veio logo depois. De novo, ouviram-se somente vozes a favor, nenhuma contra, com o mesmo “especialista-juiz” retornando para dizer que a única coisa que seria vedada era se houvesse uma “interação sexual” do peladão com a criança. Pergunto: estava proibida a manipulação do pênis do sujeito pela criança, senhor especialista? E se ela o introduzisse em sua vagina, senhor especialista? Estava claro que ela não poderia fazer isso?

É nesse momento que o programa deu uma demonstração perfeita de mau jornalismo. Houvesse intenção real e sincera de provocar uma reflexão, estavam obrigados a divulgar as opiniões contrárias que já eram públicas e notórias de uma psicóloga do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e da Associação Médica Brasileira, como outros veículos de imprensa haviam reportado. A AMB soltou nota oficial dizendo: “Não consideramos a performance adequada, pois expõe nudez de um adulto frente a crianças, cuja intimidade com o corpo humano adulto, de um estranho, pode não ser suficiente para absorver de forma positiva ou neutra essa experiência. Situações de nudez, contato físico e intimidade com o corpo são próprias do desenvolvimento humano, desde que ocorram entre pessoas com perfis equivalentes, quanto à idade, maturidade e cultura”. Já a referida psicóloga Georgia Scher, que atua nas varas de família do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro há 17 anos, também já havia dito que “o que aconteceu lá foi um abuso sexual e psicológico”.

Mas o Fantástico preferiu censurar toda e qualquer opinião discordante da única que quis impor em sua “reflexão”, demonstrando evidentes preconceito e intolerância contra qualquer um que discorde de sua visão de mundo, especialmente evangélicos. Mas isso não é exclusividade do Fantástico. Quase todo o beautiful people que se acha pensante é assim. Dias antes, no programa Encontro, algo semelhante estava ocorrendo. De novo, reuniram uma meia dúzia de sujeitos que pensam igualzinho para “discutir” a respeito do tema e acusar quem pensa diferente de ser odioso, intolerante e por aí vai. Mas não contavam que na plateia teria alguém que pensava diferente e ousaria dizer isso em voz alta, sem um pingo de ódio.

A cena que se seguiu foi emblemática. Os globais presentes não conseguiram disfarçar seu incômodo com a senhorinha de cabelos brancos, dona Regina, que esfumaçou a feitiçaria mentirosa de que o problema seria da nudez na arte, de “censura”, lembrando o óbvio exposto na nota da AMB. O deboche com que foi tratada, com que desconversaram, é emblemático do descolamento que há entre essa elite que supostamente expressa a “opinião média” com a verdadeira opinião do povão. Não à toa dona Regina se tornou um “mito” imediato nas redes sociais e o Fantástico esteve ontem em primeiro lugar nos trending topics, permanecendo nesta posição ainda um dia depois (o que, no tempo da internet, é equivalente a séculos de atenção). E esteve com hashtag nada simpática, pelo contrário.

Sim, eu sei, rede social não significa “voz do povão”. Mas a voz da dona Regina significa. E quando ela se faz ouvir essa elitezinha intolerante de pensamento único fica sem resposta, só conseguindo fazer caretas de desprezo profundo. Que mais Donas Reginas se façam ouvir, portanto. De minha parte, deixo aqui meu aplauso efusivo a essa senhora doce e simpática. O que ela fez é que foi, isso sim, fantástico.

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