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Movimento abortista defende "aborto seguro" na Cidade do México
Movimento abortista defende “aborto seguro” na Cidade do México.| Foto: EFE/Mario Guzmán

Quando publiquei meu livro Contra o aborto, em 2017, dediquei todo um capítulo para explicar e demonstrar com inúmeros exemplos um tipo de estratégia retórica amplamente adotado pelos “especialistas em saúde reprodutiva e em direitos das mulheres” conhecidos também como “ativistas a favor do aborto”. Esta estratégia se chama “Método Humpty Dumpty”. Resumirei minhas preocupações com relação a esse tipo de artimanha retórica aplicada ao tema do aborto.

O Método Humpty Dumpty de argumentação é uma abordagem retórica que recebe esse nome em referência ao personagem Humpty Dumpty, de Alice através do espelho. Ele é aquele sujeito em forma de ovo que está em cima do muro e trava um diálogo um tanto quanto desconcertante com Alice. Não à toa usei esta passagem como epígrafe do livro:

“Não sei o que você quer dizer com ‘glória’”, Alice disse.
Humpty Dumpty sorriu com desdém: “É óbvio que não sabe... até que eu lhe diga. Eu quis dizer: ‘Há um belo argumento infalível para você!’”
“Mas ‘glória’ não significa ‘um belo argumento infalível’”, Alice objetou.
“Quando uso uma palavra”, Humpty Dumpty disse com certo desprezo, “ela significa o que eu quiser que ela signifique... Nem mais nem menos.”
“A questão é”, disse Alice, “se você pode fazer as palavras significarem tantas coisas diferentes.”
“A questão é quem manda... E eis tudo.”, disse Humpty Dumpty.

A palavra mais importante no contexto social do aborto é nada mais nada menos do que “debate”. Em “precisamos debater o aborto”, o termo “debate” não significa exatamente o que se entende tradicionalmente por isso

O texto é quase intuitivo. Essa estratégia de argumentação lida com a manipulação da linguagem e das palavras para dar um significado específico a elas, independentemente de seu significado convencional. Nada como ter controle da linguagem.

O Método Humpty Dumpty traz uma tese simples e poderosa acerca da linguagem natural adotada em debates: a ideia de que o significado das palavras pode ser moldado de acordo com a intenção do argumentador, mesmo que essa interpretação seja contrária ao uso tradicional das palavras. E, segundo o próprio personagem, quem determina qual o novo significado é quem tem poder, no sentido político mesmo de quem manda. A expressão máxima do totalitarismo é destruir a linguagem.

Como aplicar essa estratégia? Primeiro, faça uma seleção de palavras significativas para o tema do aborto. Elas devem ser palavras fundamentais para sensibilizar o público. Essas palavras servirão como base para a manipulação da linguagem. No livro, mostrei que a palavra mais importante neste contexto social do aborto é nada mais nada menos do que “debate”. Isso mesmo, em “precisamos debater o aborto”, o termo “debate” não significa exatamente o que se entende tradicionalmente por isso.

Por isso, o segundo passo é dar uma reinterpretação criativa aos termos. Ou seja, reinterprete as palavras-chave escolhidas de modo a favorecer o ponto de vista em questão. Essa reinterpretação criativa deve parecer plausível. Por exemplo: “debate”, no contexto do ativista, significa “agenda”, “programa ideológico”, mas nunca “debate”. Afinal, o que se espera de “um debate” sobre aborto é que todos concordem com a ideia de que o aborto tem de ser liberado. Bem democraticamente totalitário, não?

Esse debate nos remete ao famoso problema abordado por Orwell, em seu 1984, sobre o alcance e o perigo político de quem pode manipular a linguagem. O exemplo disso é a situação em que o protagonista deve expressar que “2 + 2 = 5”. Aqui estamos no exemplo mais puro de manipulação do pensamento e controle totalitário sobre a verdade e a realidade.

A frase “2 + 2 = 5” é usada como um símbolo dessa manipulação. No contexto do livro, o Partido está tentando demonstrar sua autoridade para moldar a realidade de acordo com seus interesses. Eles insistem que, se o Partido declarar que “2 + 2 = 5”, então deve ser verdade, não importa o que a lógica ou a matemática convencional possam dizer a respeito. Isso representa a submissão completa do protagonista, Winston Smith, à autoridade de quem está no poder. A anulação da lógica e do conhecimento objetivos em favor da doutrinação e do controle são expressões máximas desse tipo de regime.

“Debate”, no contexto do ativista, significa “agenda”, “programa ideológico”, mas nunca “debate”. Afinal, o que se espera de “um debate” sobre aborto é que todos concordem com a ideia de que o aborto tem de ser liberado

A ideia por trás desse exemplo é ilustrar como um governo totalitário manipula a verdade e a realidade de forma a controlar o pensamento. Noutras palavras, o poder de manipular a linguagem. Se as pessoas são forçadas a acreditar em coisas que são claramente contrárias ao sentido básico e ao conhecimento estabelecido, isso enfraquece sua capacidade de questionar quem está no poder. O problema é que o Método Humpty Dumpty faz isso sem precisar ameaçar alguém com o Quarto 101. No livro, esse quarto se refere ao local onde os prisioneiros são submetidos ao seu pior tormento, que é projetado de forma personalizada para cada indivíduo. É um instrumento de tortura psicológica dos mais cruéis usado para subjugar e quebrar a resistência física e moral das pessoas.

No Brasil, o “debate” do aborto não precisa ameaçar ninguém com o Quarto 101. Se você é contra o aborto, será tratado como um ser humano da pior espécie, alguém que não preza pela vida. Ou seja, “aborto”, neste contexto retórico, não significa “aniquilar a vida de um inocente”, mas a mais pura expressão da “liberdade”, dos “direitos reprodutivos” e da “civilização”.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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