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O filósofo Immanuel Kant, retratado por Johann Gottlieb Becker.
O filósofo Immanuel Kant, retratado por Johann Gottlieb Becker.| Foto: Wikimedia Commons/Domínio público

Em um mundo cada vez tão reativo e intelectualmente superficial, fazer filosofia pode parecer algo extravagante e até desprezível. Afinal, se todos são especialistas em tudo, para que o professor de Filosofia? Meus estimados leitores sabem do meu apreço e dedicação ao assunto.

Por isso, hoje, eu trago para vocês uma entrevista com um dos professores de Filosofia que mais me ajudaram a pensar filosofia com clareza e rigor a partir não apenas de sua história, mas a partir de seus problemas. Mario Ariel González Porta nos ensina, com a força de sua didática, que “a compreensão do problema deve constituir o núcleo essencial, o eixo, do ensino da filosofia”.

Mario Porta é professor titular da graduação e pós-graduação do Departamento de Filosofia da PUC-SP. Tem doutorado em Filosofia pela Universidade de Münster, Alemanha. Ele publicou diversos artigos e livros, dentre os quais se destacam, pela Edições Loyola, A filosofia a partir de seus problemas (2002); Estudos neokantianos (2011); Edmund Husserl: psicologismo, psicologia e fenomenologia (2013). Seu novo lançamento, que abre a coleção Introdução aos Grandes Filósofos, da Editora Monergismo, é O pensamento de Immanuel Kant.

“Kant, sem ser propriamente ateu, efetuou na história da humanidade o movimento decisivo de intentar dar uma fundamentação satisfatória do conhecimento e da moralidade sem apelar para nenhuma instância transcendente à própria razão humana.”

Mario Ariel González Porta, professor de Filosofia na PUC-SP

Mario, antes de abordar o seu novo livro sobre Kant, gostaria de perguntar sobre a importância da coleção Introdução aos grandes filósofos. Qual é o diferencial da abordagem dessa coleção?

A coleção mencionada se propõe a abordar o pensamento dos grandes filósofos colocando especial ênfase na compreensão do problema que orienta a reflexão dos mesmos, o qual pressupõe de modo essencial explicitar os pressupostos que dão sentido e tornam por tanto necessário esse problema. Tudo isto feito, porém, de um modo conceitualmente muito claro e tecnicamente confiável, sem simplificações deformantes, com o objetivo de que o leitor, ao estudar a introdução que oferecemos, fique em condições de se aproximar do texto do filósofo com uma razoável possibilidade de êxito.

Creio oportuno chamar a atenção sobre o fato de que o modo de abordagem do pensamento de Kant no livro recentemente publicado, que espero sinalize o perfil específico da coleção que se inicia, foi desenvolvido e legitimado num livro anterior intitulado A filosofia a partir de seus problemas, lançado em 2002 e que se encontra atualmente na quarta edição. Em tal sentido, talvez seja útil para o iniciante complementar a leitura de um livro com o outro.

A respeito de sua obra recém-publicada sobre Immanuel Kant, O pensamento de Immanuel Kant, gostaria de perguntar: com tantos anos de docência no nível acadêmico, quais os erros mais comuns, principalmente aqui no Brasil, que você identificou na interpretação da filosofia de Kant?

O erro mais comum é sem dúvida a simplificação unilateral, que torna Kant “compreensível” simplesmente porque deforma seu pensamento. É muito comum entre estudantes de Filosofia dizer que Kant nega a possibilidade da metafísica como ciência e afirma a possibilidade da física como ciência, simplesmente porque a primeira disciplina não pode ser fundamentada na experiência e a segunda, sim. Se Kant tivesse pensado isso, não seria propriamente Kant, e sim mais um empirista. Ora, o verdadeiro problema da Crítica da Razão Pura começa quando se compreende que, para Kant, não é possível fundamentar totalmente a física na experiência. Mas esta tese kantiana dista de ser óbvia para alguém que tinha ido ao colégio no século 21 e pressupunha uma certa ideia de física e de ciência característica do senso comum de nossa época. Contudo, o problema que Kant se coloca na Crítica da Razão Pura unicamente faz sentido sobre a pressuposição da ideia clássica de ciência como conhecimento universal e necessário e a ulterior convicção de que universalidade e necessidade não podem ser fundamentadas empiricamente. Aceitado este pressuposto, é então digno de reflexão, porque conhecimento não empírico é possível na física, mas não na metafísica.

Observe que aqui temos um exemplo concreto muito claro de como, para entender o verdadeiro sentido de uma tese, que é sempre resposta a uma pergunta, solução a um problema, primeiro temos de entender corretamente qual é o problema e, para isto, começar por explicitar os pressupostos que dão sentido a esse problema.

Qual a relevância de Kant para o pensamento contemporâneo – numa palavra, o que Kant nos ensina?

Se tivéssemos de resumir a importância do pensamento kantiano para um leigo, a forma mais simples seria dizer que Kant, sem ser propriamente ateu, efetuou na história da humanidade o movimento decisivo de intentar dar uma fundamentação satisfatória do conhecimento e da moralidade sem apelar para nenhuma instância transcendente à própria razão humana, como poderia ser Deus. Ora, essa consideração da Razão como última instância legitimadora, como última fonte de aspirações de validez epistêmica e práticas legítimas, não repercutiu de modo decisivo somente na filosofia, mas, além dela, se estabeleceu como base do Estado Democrático de Direito contemporâneo.

“Falar do fim da filosofia é simplesmente não refletir suficientemente sobre o que é essencial para a racionalidade humana. No mundo da informação e tecnologia, a filosofia é ainda mais necessária.”

Mario Ariel González Porta, professor de Filosofia na PUC-SP

Por fim, uma última pergunta. É quase um lugar comum dizer que, com o avanço das ciências naturais, da tecnologia de informação e das novas plataformas de inteligência artificial, o conhecimento filosófico se tornará irrelevante. Nesse sentido, qual o lugar da filosofia num mundo cada vez menos preocupado com o pensamento e mais preocupado com informação?

Já escrevi em várias oportunidades que, para mim, a filosofia é a culminação da racionalidade e, enquanto tal, um elemento imprescindível da cultura. Ora, momento essencial da racionalidade é a reflexividade, isto é, poder transformar em objeto de análise qualquer fato, conduta ou conhecimento. Em tal sentido, falar do fim da filosofia é simplesmente não refletir suficientemente sobre o que é essencial para a racionalidade humana. No mundo da informação e tecnologia, a filosofia é ainda mais necessária. Não meramente precisamos conhecer e agir, precisamos também refletir sobre isso e, isto, de um modo verdadeiramente radical.

Aproveito para convidar os leitores para o lançamento e leitura da primeira obra da coleção Introdução aos Grandes Filósofos, pela Editora Monergismo, escrita pelo professor Mario Porta: O pensamento de Immanuel Kant. O lançamento em São Paulo está marcado para o dia 9 de abril, das 15 às 18 horas, na Livraria Martins Fontes, da Avenida Paulista.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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