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O bom e velho diálogo socrático
| Foto: Michael Salinger/Pixabay

Como professor, não nego o quanto estou apreensivo como a aplicação do ChatGPT em sala de aula. De qualquer forma, defendo que a tecnologia não pode ser uma ameaça à profissão de professor. O desafio consiste em saber lidar com o alcance dessas ferramentas incríveis para o ensino. Pessoalmente, embora defenda princípios como o da prudência com relação às revoluções tecnológicas, sou muito otimista e não consigo encarar o ChatGPT como algum tipo de ameaça.

Que tipo de problema ele poderia causar? Dar acesso imediato a certas informações não me parece um problema. Lembro-me de quando eu ainda era estudante de graduação, já nos anos 2000, e eu precisava ir até a biblioteca para pesquisar em livros informações que hoje consigo com dois ou três cliques. Nunca deixei de ler livros por isso. Pelo contrário, em termos de pesquisa, a internet potencializou minha leitura.

Não conseguia conceber a pesquisa na internet como concorrente do tipo de informações que eu poderia conseguir nos livros. Na verdade, para mim são dois os maiores perigos para a educação relacionados à internet: a reprodução infinita de informação e as redes sociais.

Embora defenda princípios como o da prudência com relação às revoluções tecnológicas, sou muito otimista e não consigo encarar o ChatGPT como algum tipo de ameaça

A reprodução infinita de informação assusta. Quando fazemos uma pergunta no Google ou qualquer plataforma de busca não vem junto o critério de qualidade da informação. Acessar muitas e muitas e muitas informações e dados não implica na compreensão da realidade. Como professor de Filosofia, minha vocação profissional é pensar a respeito do tipo de compreensão que podemos ter das coisas. Pesquisas na internet não oferecem qualquer critério de compreensão.

Nesse sentido, pensar racionalmente o sentido de toda essa informação disponível é algo que a pesquisa de internet não consegue resolver. Como professor, a presença da internet também potencializou muito as minhas aulas. Consigo acessar obras clássicas no original em segundos, coisa que seria inimaginável para os meus professores.

Não há o que temer com relação ao rápido acesso a uma infinidade de informações. O que assusta, na verdade, é saber que muitos alunos podem ficar mais preguiçosos com tanta facilidade. Por isso, o professor precisa inspirar e ensinar seus alunos a formularem as perguntas corretas, a buscar soluções para problemas que os alunos jamais imaginariam existir. Aqui o ChatGPT pode ajudar muito, desde que o professor conduza suas aulas a partir de problemas e situações que inteligência artificial nenhuma poderia pensar.

Eu acho curioso que o próprio ChatGPT reconhece suas limitações. Eu perguntei por exemplos do que ele não é capaz de fazer na relação professor e aluno. A melhor resposta que recebi foi esta:

“Como modelo de linguagem treinado, posso fornecer informações e recursos úteis para os alunos, mas não posso substituir completamente a interação humana. A interação entre professores e alunos é fundamental para a aprendizagem, permitindo que os alunos façam perguntas, recebam feedback e se envolvam em discussões com seus pares.”

Essa resposta é boa justamente por levantar o problema da interação humana. Mas é interessante notar que ele diz que não pode “substituir completamente”. Ou seja, ele substituirá em muitos aspectos, mas “não completamente”, já que o pilar da aprendizagem e de todo conhecimento legítimo é, pois, “a discussão com seus pares”.

De uns anos para cá, principalmente depois da pandemia, tenho percebido a necessidade dos alunos em interagir mais com a aula, com perguntas e respostas

Durante anos, eu ensinei do modo bastante tradicional: giz, lousa e informação. Sempre fiz o tipo mais carismático de professor. Nunca tive grandes problemas com indisciplina e sempre conduzi minhas aulas da maneira mais didática possível com relação aos temas que eu abordava em filosofia. Entretanto, de uns anos para cá, principalmente depois da pandemia, tenho percebido a necessidade dos alunos em interagir mais com a aula, com perguntas e respostas. Não exatamente uma “aula debate”, em que o professor cede sua autoridade para uma espécie de reunião de condomínio e todos ficam dando pitaco aleatório a respeito de assuntos polêmicos. Refiro-me à interação afetiva, olho no olho, perguntas e respostas conduzidas, ao estilo do velho e bom diálogo socrático.

Na semana que vem, falarei daquele que considero o maior vilão do ensino: as redes sociais como verdadeiras máquinas de distração.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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