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Lula e Bolsonaro no primeiro debate no 2º turno, realizado pela TV Bandeirantes.
Lula e Bolsonaro no primeiro debate no 2º turno, realizado pela TV Bandeirantes.| Foto: Renato Pizzutto/Band

O formato do debate presidencial exibido na TV Bandeirantes no último domingo foi a única coisa nova e até divertida nessas eleições. Da minha parte, considero a performance retórica de Bolsonaro ligeiramente melhor que a de Lula, que começou bem, mas depois se entregou aos “encantos” do atual presidente. Isso porque os petistas juram que Lula saiu vitorioso. Nós, fascistas, ou melhor, qualquer um que não apoia Lula, não temos o direito de considerar a derrota de Lula no debate sem ser acusados de... fascistas. Faz parte do jogo retórico.

Aliás, tem gente que jura por tudo o que é mais sagrado nesse mundo que só votando no Lula salvaremos a humanidade desse novo Hitler que governa o Brasil. Márcia Tiburi, a filósofa que, de seu apartamento na Europa, tenta desvendar a lógica dos assaltos, sem corar de vergonha, disse palavras que beiram o delírio:

“Se Bolsonaro vencer vai acontecer no Brasil o mesmo que aconteceu na Alemanha de Hitler. A história se repete. Por sorte, temos chance de puxar o freio de mão da história com o voto, daqui a 13 dias. Faça a sua parte para salvar a humanidade, começando por salvar o Brasil.”

Tem gente que jura por tudo o que é mais sagrado nesse mundo que só votando no Lula salvaremos a humanidade desse novo Hitler que governa o Brasil

Daria para fazer uma coligação dessas pérolas. Notem um detalhe interessante: “a história se repete”. Nisso, parece que ela está quase certa. Poderia ter recorrido ao velho Marx que, além dos furúnculos na bunda e do comunismo, ficou famoso pela belíssima frase: “a história se repete. A primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. Só se esqueceu de acrescentar: a terceira vez como comédia.

Desculpem insistir na nostalgia. Mas em 2014, logo após as eleições para presidente, eu escrevi o seguinte:

“Brasileiros, em geral, demonstram certa dependência do poder instituído na forma do Estado e apego incorrigível aos atores políticos. Essas eleições deixam uma impressão curiosa: participamos da política como participam os telespectadores de reality shows. Não há exatamente uma experiência de decisão necessária sobre os rumos políticos do país. Nessas condições, nossa vida política reproduz a falsa sensação de que cidadania significa escolher qual personagem preferido merece ganhar a comédia”.

A impressão que eu tive depois de assistir ao debate entre Bolsonaro e Lula é a de que, nós, brasileiros, depositamos todas as nossas expectativas políticas nas eleições. Como se fosse uma grande celebração litúrgica em que todo mundo já entra em transe coletivo. Pensem bem no que Tiburi escreveu acima. Pensando bem, delirante é pouco. Agora, não é tão absurdo encontrar isso do lado de bolsonaristas mais fanatizados. Infelizmente, parece que não buscamos alguém para governar o país e sim para nos conduzir ao Reino de Deus.

Ora, o problema de conceber a democracia como celebração contra o mal implica na crença de que o objetivo final da vida em sociedade se restringe a como e por quem seremos salvos. Isso é patético. Hitler simboliza o mal. Se Bolsonaro ganhar, o mal prevalecerá. Quem poderá nos salvar?

Essa deturpada ideia de celebração política advém de uma expectativa redentora atribuída à democracia como a expressão messiânica da vontade geral soberana. Em outras palavras, a democracia entendida como soberania extasiada pela conquista do suposto homem livre e puro que alcançou seu último estágio da vida em sociedade. Não, não é o Capitão América. Só pode ser Lula, claro!

Nós, brasileiros, depositamos todas as nossas expectativas políticas nas eleições. Como se fosse uma grande celebração litúrgica em que todo mundo já entra em transe coletivo

O ponto fraco desse delírio messiânico está no otimismo religioso que pessoas como Márcia Tiburi atribuem a si mesmas. Toda esperança política nasce dessa autoimagem de que a vontade geral soberana, construída a partir da matéria-prima de homens bons e perfeitos, é infalível. Márcia Tiburi se acha boa e infalível, logo está apta a anunciar nosso salvador.

Para resistir a esse tipo de tentação, deve-se reconhecer um dado fundamental: a inclinação humana para a injustiça. E o pior dos pecados é a soberba. No mundo político há conflitos de interesses que são irredutíveis. É tudo fruto da nossa condição falível e imperfeita. Assim, a política só poderá ser a arte da desconfiança e o cuidadoso esforço de construção de mundos possíveis, justamente como resistência à construção de ruínas totalitárias. Que não se repitam nem como tragédias, farsas e comédias.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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