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Independentemente da crise do mercado de livros, em termos de leitura, o ano de 2018 foi muito generoso pra mim. Li muita coisa por prazer, sem preocupação britânica de cumprir prazos e sem a obrigação germânica de prestar conta. Abria um livro e simplesmente lia. De cabeça fresca, lendo temas que mais me interessam; quer coisa melhor? Se o livro era ruim, do jeito que abria, parava de ler, sem peso na consciência, sem arrastar a leitura para cumprir compromissos profissionais. Nesse sentido, é difícil fazer uma retrospectiva dos melhores livros que eu li este ano. Só li o que gostei. Como eu adoro fazer, compartilhar e ler listas, seguem as quatro obras que, neste exato momento — pois não sei o dia de amanhã —, mais me impactaram.

A primeira a me causar impacto foi A Geração superficial — o que a internet está fazendo com os nossos cérebros, de Nicholas Carr. Na época que li, cheguei até a escrever um comentário sobre o livro aqui na Gazeta. Nessa obra, o autor apresenta um estudo histórica e filosoficamente aprofundado acerca dos efeitos da “leitura de internet”, isto é, a leitura superficial, rápida e construída na dinâmica do hipertexto e do algorítimo. Ele demonstra como esse tipo de leitura, superficial em sua natureza, tem literalmente modelado nosso cérebro a rejeitar a leitura do tipo profunda, que exige atenção e tempo.

Segundo Nicholas Carr, a internet é uma máquina de distração em que, o tempo inteiro, “nós queremos ser interrompidos, porque [acreditamos que] cada interrupção nos traz uma informação preciosa. Ao desligar esses alertas [pensem nas notificações das redes sociais], nos arriscamos a nos sentir desconectados ou mesmo socialmente isolados”, pois “cada alerta é uma distração, uma intrusão nos nossos pensamentos, um outro ‘bit’ de informação que sequestra um espaço precioso da nossa memória”. Para eu conseguir ler o livro em dois dias, precisei me desconectar das redes. Gostei tanto que fiquei uns quatro meses sem acessar meu Facebook.

O segundo livro deste ano que me marcou bastante foi o Revoltada contra a modernidadeLeo Strauss, Eric Voegelin e a busca de uma ordem pós-liberal, de Ted McAllister. Embora escrito em 1996, esse livro só foi publicado no Brasil em 2017 pela É Realizações. De qualquer maneira, vale muito a leitura; afinal, Eric Voegelin e Leo Strauss têm, cada um a seu modo, exercido bastante influência entre os conservadores brasileiros. Nesse caso, como diferenciar conservadores de liberais, já que entre nós há ainda muita confusão a respeito de quem é de direita (cujo exemplo que me vem agora é o bordão “liberal na economia, conservador nos costumes”). Depois de ler essa obra, mais do que falar em “marxismo cultural”, é preciso entender o perfil na mentalidade moderna como expressão acabada do “liberalismo cultural” e como autores da envergadura de Voegelin e Strauss reagiram.

Relata McAllister no prefácio: “Tudo teria sido muito fácil tivesse eu descoberto que o conservadorismo era apenas mais uma ideologia. Descobri, ao contrário, que os intelectuais do ‘movimento’ conservador reagiam a mudanças modernas e liberais em vez de promover um projeto que transformaria a sociedade. Nessa reação (ou por causa dela), podemos perceber uma maneira peculiar de enxergar o mundo que distancia esses intelectuais dos liberais [esquerdistas] — até mesmo dos “liberais de direita”. Segundo McAllister, para empreender esse tipo de estudo é preciso elucidar “os compromissos filosóficos básicos”. E é isso o que essa obra pretende: ir aos pressupostos de certas visões de mundo.

A terceira obra dessa minha lista pessoal é de Mark Lilla, A mente imprudenteos intelectuais na atividade política (poderia acrescentar também A Mente Naufragada). O livro foi lançado em 2017 pela Editora Record, mas eu só consegui lê-lo no comecinho deste ano. Mark Lilla apresenta uma série de estudos sobre alguns dos mais influentes pensadores do século 20: Martin Heidegger, Hannah Arendt, Karl Jaspers, Carl Schmitt, Walter Benjamin, Alexandre Kojève, Michael Foucault e Jacques Derrida. Inspirado no clássico Mente cativa, em que o poeta e ensaísta polonês Czesław Miłosz faz um estudo perturbador sobre o perfil mental de intelectuais que se adaptavam ao stalinismo, Mark Lilla busca compreender a relação cúmplice entre alguns dos mais importantes pensadores e o poder.

Pergunta Lilla: “como explicar o fato de também terem existido coros de louvor à tirania em países onde os intelectuais não enfrentavam perigo e tinham liberdade de escrever o que queriam? O que os teria levado a justificar os atos dos tiranos modernos ou, caso mais frequente, negar qualquer diferença essencial entre a tirania e as sociedades livres do Ocidente?” A obra de Lilla é fundamental para entendermos o fascínio de alguns intelectuais pelo poder. Como ele diz: “professores eminentes, poetas inspirados e jornalistas influentes mobilizaram seus talentos para convencer quem quisesse ouvir de que os tiranos modernos eram libertadores e seus absurdos crimes eram nobres, se vistos da devida perspectiva”.

Por último, escolhi o livro A Boca do Inferno, de Otto Lara Resende. Confesso que estou olhando para outras três aqui na minha escrivaninha e pensando se não deveriam estar entre as melhores. São Arriscando a própria pele — assimetrias ocultas no cotidiano, de Nassim Taleb; A Metamorfose da Cidade de Deus — filosofia social no cristianismo, de Étienne Gilson; e, por último — terminei de ler essa semana —, O Reino, de Emmuel Carrère. Como as três últimas foram lidas entre novembro e dezembro, fico preocupado de estar sob o efeito da leitura. Melhor deixar maturar — Nietzsche diria ruminar — as ideias.

Escolhi Otto Lara Resende por dois motivos. O primeiro, simplesmente por ser o melhor livro de contos que eu já li na vida. O segundo motivo é que a leitura desse livro, lá no começo do ano, me inspirou a criar, com mais dois amigos aqui de Sorocaba (Bruno Lincoln e Nikolas Diniz, idealizadores da página Alcateia da Arte) um clube do livro; e confesso que ter criado um clube do livro foi uma das melhores coisas que eu já fiz. Sem qualquer pedantismo, foi muito bom ler e conversar sobre alguns clássicos da literatura universal. Nós escolhemos dez livros, que foram lidos na seguinte sequência: A morte de Ivan Ilitch (Tolstoi); Morte em Veneza (Thomas Mann); O Alienista (Machado de Assis); A hora e a vez de Augusto Matraga (Guimarães Rosa); O estrangeiro (Albert Camus); Hamlet (Shakespeare); O Velho e o Mar (Ernest Hemingway); O Coração das Trevas (Joseph Conrad); O Senhor das Moscas (William Golding); e, por último, A Boca do Inferno. De certa forma, todos eles transitam entre os meus temas prediletos: finitude, violência e redenção.

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