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Flávio Dino
Flávio Dino foi desmentido por usuários da rede X, e jornal usou o caso para alegar que rede social permite disseminação de desinformação.| Foto: André Borges/EFE

No meu texto da semana passada, “O especialista e o resto”, analisei um artigo do jornal O Globo sobre a ferramenta da rede social X chamada “Notas da Comunidade”. A manchete do texto era “‘Checagem coletiva’ no antigo Twitter permite uso político e desafia TSE nas eleições de 2024”. A reportagem de O Globo destaca como esse mecanismo colaborativo de verificação desafia a Justiça Eleitoral, e faz denúncias de que o sistema teria veiculado desinformação e mensagens enviesadas. No meu texto anterior, analisei o primeiro ponto. Hoje, analisarei o segundo, que é acusar a ferramenta de permitir a veiculação de desinformação e mensagens enviesadas.

Para alegar isso, a reportagem cita três exemplos: o do governador Romeu Zema, o da deputada Renata Souza e o do ministro Flávio Dino. Para ser bem rigoroso, do ponto de vista quantitativo, trata-se uma amostragem bastante insignificante para alguém que alega que a ferramenta “veicula desinformação”. Três exemplos estão longe de serem suficientes para representar as inúmeras interações e a eficiência das Notas. Uma análise mais precisa e séria exigiria não só uma amostragem maior, mas também mais diversificada, com situações distintas.

Isso para não falar da seleção deliberada dos casos reportados. Os exemplos selecionados foram escolhidos por serem particularmente controversos e confirmar uma suspeita de que as notas são instrumentos políticos. Os três casos citados pela reportagem, na verdade, são para justificar um viés de confirmação. De qualquer maneira, não é possível alegar que as Notas da Comunidade veiculam desinformação e mensagens enviesadas sem analisar rigorosamente o contexto em que esses casos ocorreram e a frequência de casos parecidos. Se tais problemas são raros, eles representam exceções.

Nenhum dos exemplos escolhidos por reportagem contrária às Notas da Comunidade demonstra o que o texto afirma

O primeiro exemplo foi uma postagem do deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) que criticou o governador Romeu Zema por um suposto ataque ao Nordeste. Uma nota adicionada na postagem do deputado do PT demonstrou que o governador “não fez nenhum ataque”. Curiosamente, a reportagem não dá mais detalhes sobre o caso. Ela traz apenas um parágrafo informando que houve uma Nota da Comunidade. A questão em si, se Zema atacou ou não o Nordeste, não foi adequadamente investigada. Se a reportagem está alegando que as Notas da Comunidade veiculam desinformação, o mínimo era demostrar que este era um caso. Além disso, se foi um caso de desinformação, como o X teria lidado com a situação? A reportagem não traz nada.

O segundo exemplo é o caso da deputada Renata Souza, o do “racismo algorítmico”. Após Renata Souza relatar que uma ilustração gerada por inteligência artificial incluiu uma arma de fogo sem o comando específico, uma nota da comunidade foi adicionada e questionou a veracidade da denúncia. A nota informou que é “duvidoso que a IA tenha inserido uma arma de fogo na imagem sem uma solicitação específica”​​. Além disso, a reportagem traz uma outra alegação, bem mais complicada. A deputada teria contado “que passou a receber ataques racistas em diferentes redes” e que “ela registrou um boletim de ocorrência na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) contra usuários que publicaram mensagens racistas”. A reportagem ainda traz um depoimento da deputada, afirmando que “as pessoas passaram a se sentir seguras para cometer crimes”. Espero que a Justiça puna atos dessa natureza. Porém, são coisas distintas.

Considerando que, de fato, as pessoas publicaram mensagens racistas contra a deputada depois das Notas da Comunidade inseridas em sua postagem, isso não significa que a culpa dos atos racistas seja das Notas. O nome desse raciocínio é “post hoc ergo propter hoc”, ou seja, “após isso, portanto por causa disso”. Refere-se a uma famosa falácia que ocorre quando se conclui que apenas porque um evento aconteceu antes de outro, o primeiro evento deve ter sido a causa do segundo: assim que o galo cantou, o Sol nasceu; portanto, o Sol nasceu porque o galo cantou. Se a deputada Renata Souza de fato foi atacada, não foi por causa da Nota que questionou a informação de sua postagem sobre o “racismo algorítmico”.

O último exemplo da reportagem para alegar que as Notas da Comunidade veiculam desinformação é o caso do ministro da Justiça, Flávio Dino. Segundo a reportagem, “após o ministro da Justiça, Flávio Dino, escrever, em setembro, que ‘fake news é crime, não é ‘piada’ ou instrumento legítimo de luta política’, a postagem recebeu uma nota com a frase: ‘ao contrário do que afirma o ministro, fake news não é crime no Brasil’”. Depois disso, a nota saiu do ar, e a reportagem levantou a seguinte suspeita: “são recorrentes ainda na plataforma notas que entram e saem do ar, sem explicações, o que pode indicar nos bastidores uma disputa de votações”.

Não avaliarei o caso específico de Dino; é fácil esclarecer se fake news é ou não crime. O problema aqui é a alegação da reportagem de que “são recorrentes ainda na plataforma notas que entram e saem do ar, sem explicações, o que pode indicar nos bastidores uma disputa de votações”. Essa suspeita de que “pode indicar nos bastidores uma disputa de votações” não demonstra o que a reportagem alegou. Na verdade, nenhum dos exemplos escolhidos demonstra. Pelo contrário, o que esses exemplos revelam é que a escolha da reportagem foi partidária e enviesada. Não deve ser coincidência que todos os exemplos citados envolvam pessoas ligadas à esquerda, ao PT e ao PSol, e não tragam informações suficientes daquilo que alega.

A democracia não está ameaçada por causa das Notas da Comunidade; o que está ameaçado é o trabalho pífio de “especialistas” charlatões e políticos demagogos.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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