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Foto: Mario Miranda/AFP
Foto: Mario Miranda/AFP| Foto:

De uns anos pra cá, parte expressiva do movimento feminista mais radical transformou o Dia Internacional da Mulher em símbolo de defesa do aborto. Como se aborto fosse expressão do próprio “empoderamento feminino” e papo exclusivo de mulher. Neste contexto de luta, ódio e destruição da cultura “machista”, aborto significa a conquista absoluta dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. A soberania do corpo é terra prometida do messianismo matriarcal, a Nova Jerusalém.

Para fazer sentido a ideia de que a mulher tem direito absoluto sobre o próprio corpo e, por esse motivo, o aborto não seria outra coisa senão uma decisão só dela, pelo menos duas crenças precisam ser presumidas como verdadeiras: conceber o embrião como um mero dejeto biológico e/ou tratá-lo como invasor do corpo da mulher. Sendo a mulher proprietária do seu corpo — uma ideia filosoficamente equivocada que confunde ser um corpo com ter um corpo — e o aborto uma decisão de foro íntimo da mulher, nenhum homem tem poder para opinar a respeito. Essas duas crenças trazem consequências desastrosas para as mulheres.

No primeiro caso, reduzir o embrião a um mero objeto biológico é uma atividade mental das mais complexas. Trata-se do ato tirânico da imaginação que abstrai daquele corpo vivo e presente a parte mais importante de sua realidade. Magicamente, o embrião deixa de ser alguém para poder ser lançado ao esgoto como uma coisa. Se antes poderia receber um nome, ser chamado de filho e manter silenciosas relações intersubjetivas com membros de sua família, agora pode literalmente ser triturado no altar das irresponsabilidades sexuais.

Aqui, a consequência social para as mulheres é simples: se não reconhecemos o estatuto pessoal e não tratamos com o devido respeito moral mulheres desde a concepção, impõe-se a pergunta: quando, como e por que reconhecimento e respeito deverão ser exigidos? Ora, quando a comunidade dos mais fortes resolver conceder isso a elas, jogando tudo numa disputa de poder e força. Para que não caiam na própria armadilha, mulheres precisam tomar consciência de que seus direitos fundamentais não são concessões dos mais fortes, mas reconhecimento da natureza pessoal e moral, que está nelas desde sempre.

Na segunda ponta da discussão do aborto, a sabedoria popular e o mais elevado conhecimento científico sabem que embriões não invadem ocasionalmente o corpo de uma mulher. A analogia do invasor falsifica a experiência real de gerar um novo filho. Qualquer manual de biologia básica informará que a reprodução humana ocorre mediante a fertilização. Tirando os casos de ser in vitro, toda fertilização humana é consequência de relações sexuais entre homem e mulher — consentidas ou não, depende de ambos.

Basicamente funciona assim: numa jornada incrível de resistência e destreza, os espermatozoides precisam encontrar o óvulo no corpo da mulher. Espermatozoide e óvulo são “cápsulas de informação” genética e juntos conceberão um novo indivíduo. Separadas, essas células são apenas entidades biológicas; no momento em que se juntam, dão origem a uma nova pessoa, pois pessoas só podem conceber pessoas, assim como gatos concebem gatos, cachorros concebem cachorros…

A fertilização acontece na tuba uterina e a gestação de uma nova vida ocorre dentro do útero da mulher durante aproximadamente cerca de 40 semanas. O processo envolve muitas expectativas. Humanos chamam isso de gravidez. Mulheres e homens participam ativamente como parceiros, ou pelo menos deveriam participar. Alguns são mais conscientes das consequências de ter um filho, outros não estão nem aí pra isso. Do ponto de vista biológico, a mulher leva uma desvantagem por carregar o embrião na própria barriga. Há uma série de exigências e cuidados. Mas isso não significa que o homem esteja isento de suas responsabilidades morais, sociais e legais. Afinal, o filho é tão dele quanto dela. Por esse pequeno detalhe da natureza, suas obrigações devem ser igualmente balanceadas.

As experiências de maternidade e paternidade iniciam aí, sem cegonha, sem invasores, sem mágica, apenas com o cumprimento de certas obrigações biológicas e morais. Na concepção de um novo ser humano, biologia e moralidade entrelaçam as mãos. Orientado pela intuição humana, costumo dizer que jamais alguém esperou, espera e esperará desse processo biológico um ornitorrinco ou um repolho. É filho mesmo; terá a cara do pai ou da mãe e trará muitas alegrias e decepções. Às vezes mais decepções que alegrias. Talvez por isso, num mundo tão incerto, devastado de sentido e violento, não seja implausível pessoas oferecem boas razões para não terem filhos.

Lamentavelmente, muitos canalhas, ao descobrirem a gravidez, abandonam as mulheres. Isso se chama medo, covardia ou canalhice. Mas jamais deve ser chamado de “direito sexual e reprodutivo do homem”. Alguns críticos, a fim de ironizar o movimento pró-vida, chamam de “aborto masculino”. Pode até ser hipócrita da parte de alguém contra o aborto não dar um pio em homens que abandonam seus filhos. Sou filho de pais separados e sei bem qual o valor do abandono e da distância de um pai. Porém, até hoje nunca vi uma única campanha para os homens terem o direito de abandonarem seus filhos.

O fato é que é surreal pensar numa campanha masculina pressionando o Supremo Tribunal Federal e os políticos para “liberarem o abandono paterno”. Tentem imaginar professores universitários, ONGs de “católicos pelo direito de decidir” ou políticos em comícios fazendo campanhas pela causa masculina “do direito reprodutivo e sexual dos homens”. Fica até boa a expressão: “Não quer abandonar, não abandone, mas deixe o homem fazer o que quiser com o próprio corpo”. Vai que, de repente, mulheres comecem a escrever livros “contra o abandono” combatendo esse absurdo. Só não poderemos reclamar em plena Semana das Mulheres se a resposta masculina for um eloquente e repetitivo “isso é papo de homem, mulher não tem de opinar sobre abandono”.

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