• Carregando...
Foto: Reprodução
Foto: Reprodução| Foto:

Três assuntos relacionados ao casamento entre pessoas do mesmo sexo vieram à tona nos últimos dias. Direta e indiretamente, eles nos fazem pensar sobre os limites do Estado na vida das pessoas, a natureza do Estado laico, o fundamento das soberanias nacionais e, acima de tudo, sobre a liberdade de consciência.

Primeiro. A Suprema Corte dos EUA decidiu a favor de Jack Phillips, o confeiteiro cristão que se recusou a fazer o bolo para o casamento de Charlie Crai e David Mullins. O caso de Phillips começou em 2012; a Comissão de Direitos Civis do Colorado o acusou de violar, com base em suas crenças cristãs, o estatuto contra discriminação sexual. A Suprema Corte dos EUA, por 7 a 2, invalidou a decisão da Comissão do Colorado contra Phillips em nome do direito constitucional básico de qualquer cidadão americano exercer publicamente sua religião sem a interferência do Estado, que, segundo a Primeira Emenda, deve manter a neutralidade religiosa. A pergunta, portanto, é muito simples: um cristão deve ceder à pressão do Leviatã? Não. Eu faço outra pergunta: e se a Suprema Corte tivesse dado ganho de causa para Crai e Mullins? Dessa vez, deixo para a imaginação dos leitores a resposta.

Segundo. No Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Pará (UFPA), a aluna Dienny Estefhani, orientanda do professor Victor Sales, defendeu sua dissertação sobre “O Bem Humano Básico do Casamento na Teoria Neoclássica da Lei Natural: Razão Prática, Bem Comum e Direito”. Uma série de movimentos sociais publicou notas de repúdio alegando que a dissertação, além de ferir os direitos humanos, não teria qualquer “valor científico por estar maculada por crenças religiosas”. Segundo a nota do DCE da UFPA (que não teve acesso à dissertação), “o resumo desta suposta produção acadêmica nos lembra os espaços mais contaminados por ódio, preconceito e senso comum da internet e da sociedade. A aprovação de uma pesquisa dentro deste aspecto em uma instituição pública custeada por milhões de LGBTs que exercem sua cidadania, no Brasil, acaba contrariando os direitos humanos e a finalidade da Universidade Pública em servir ao povo”.

Pois bem, contrariando as expectativas desses movimentos, e embora até presente data ainda não tenha sido homologada, a banca examinadora deu parecer favorável à dissertação. E vale destacar que os membros que avaliaram o texto na íntegra são autoridades respeitadas em âmbito nacional no que diz respeito à defesa dos direitos dos homossexuais — inclusive entre eles havia um procurador do trabalho e um desembargador federal. Ou seja: a dissertação de Dienny não foi avaliada por pares simpáticos ou em sintonia com os pressupostos teóricos ou políticos da pesquisa. Muito pelo contrário, Dienny enfrentou com coragem e serenidade não só a turba dos manifestantes, mas soube conduzir com consistência, honestidade e firmeza a análise criteriosa daqueles que leram o texto com lupa esperando encontrar o menor sinal de discriminação contra homossexuais. Resultado? Dienny passou pelo crivo dos pares e foi aprovada.

Terceiro. O Tribunal Europeu de Justiça ficou a favor do casal homossexual Adrian Coman e Claibourn Hamilton. Adrian é romeno; Claibourn, americano. Em 2010, eles viviam felizes em Bruxelas. Depois de dois anos, resolveram morar em Bucareste, um Estado-membro que não reconhece o casamento gay. Em Bruxelas, Claibourn residia como cidadão europeu; na Romênia, Claibourn perdia sua cidadania. Para os burocratas da União Europeia isso não faz a menor diferença. Segundo o Tribunal de Justiça Europeu, a Romênia tem soberania para decidir a respeito do casamento homossexual, mas não pode negar o direito de residência ao cônjuge de um cidadão europeu. É um caso limite sobre a soberania de uma nação com muitas nuances.

De qualquer forma, a pergunta que deve ser feita é bem mais elementar, do âmbito espiritual (cultural) e não puramente político. Bem ao que o filósofo britânico Roger Scruton havia formulado quando falava a respeito do Brexit: diante dessa decisão do Tribunal Europeu, não se trata apenas de saber se é possível ou não ser reconhecido como residente da União Europeia, mas o que na verdade significa ser europeu; quais valores, afinal de conta, estão realmente em jogo quando se pensa na Europa.

Mais do que desejar polemizar sobre o tema do casamento gay propriamente dito, os três casos relatados dizem respeito ao problema da liberdade de consciência; principalmente, a liberdade de poder se opor aos dogmas dessa nova religião política, que não admite qualquer tipo de crítica à sua agenda globalista. Os três casos são sintomático e indicam o tamanho e a capilaridade política contra todos aqueles que ou se opõem à ideia do casamento entre pessoas do mesmo sexo ou apenas reafirmam suas crenças na realidade do casamento natural entre homem e mulher.

Como avaliou o filósofo Robert P. George em um artigo para o New York Times sobre o caso de Jack Phillips, deve-se preservar a ideia constitucional de neutralidade religiosa do Estado não como aquele que deverá restringir a religião de alguém ao domínio privado. No Estado laico, o cristão tem assegurado “o direito constitucional de proclamar e agir conforme suas crenças religiosas no domínio público, inclusive no domínio do comércio”. Nesse caso, “se você é um proprietário de negócios cristão (ou judeu, muçulmano ou hindu), pode administrá-lo de acordo com seus princípios religiosos, que estão sujeitos a regulamentações legais neutras (isto é, não baseadas em antipatia às suas crenças religiosas ou àquelas dos seus concidadãos), mas em geral na sua aplicabilidade (isto é: aplicam-se a todos igualmente)”. No ambiente acadêmico, esse princípio faz ainda mais sentido.

No extremo oposto a isso, destaca-se o tipo de “poder” que hoje exerce a União Europeia hoje em dia. Uma burocracia gigantesca, dominada por elite, que deixou claro que sua lógica só funciona se for goela abaixo. Não se trata de saber se o casamento gay é antropologicamente válido ou inválido, moralmente aceitável ou não. O problema, neste caso da Romênia, por exemplo, foi revelar as raízes políticas de como o Tribunal Europeu resolve esse tipo assunto. Mesmo que se limitasse a legislar sobre a mera possibilidade de residência de um “estrangeiro” casado com outro homem, na prática descobrimos quem, de fato, manda na Europa daqui para a frente.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]