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Hugh Jackman no papel de Wolverine em “Wolverine – Imortal”, de 2013.
Hugh Jackman no papel de Wolverine em “Wolverine – Imortal”, de 2013.| Foto: Ben Rothstein/Marvel Characters, Inc./Twentieth Century Fox Film

Férias. Revi o filme Wolverine – Imortal. Muita pancadaria e uma excelente história. Gosto de filme por pura diversão. Gosto de Bergman e Tarkovski também. Como vocês sabem, gosto muito de animações e tenho, frequentemente, escrito sobre como elas podem nos ajudar a meditar sobre muitas questões filosóficas. Filme de entretenimento, quando bem feito, nos proporciona uma experiência de kátharsis e ajuda a lavar a alma dos dramas da existência.

Enfim, eu nunca fui um grande leitor assíduo de HQs; perto de alguns amigos meus especialistas no assunto, sou um completo néscio. Às vezes, não ser especialista nos confere certa liberdade de falar sem compromisso. Hoje, no meu primeiro texto do ano, apenas gostaria de compartilhar algumas reflexões. Não me julguem, estou de férias e curtindo com as crianças.

Primeiro, já confesso que não assisto a filmes baseados em histórias em quadrinhos a fim de checar a qualidade das adaptações. Assisto pelo prazer de ver porrada, gente voando e, se tudo der certo, uma boa história.

Filme de entretenimento, quando bem feito, nos proporciona uma experiência de kátharsis e ajuda a lavar a alma dos dramas da existência

Wolverine – Imortal foi lançado em 2013 e é baseado na história em quadrinhos escrita por Chris Claremont e Frank Miller. Ou seja, um clássico completando dez anos de vida. Após os eventos de X-Men: O Confronto Final, encontramos Logan no Japão, envolvido com a máfia Yakuza e samurais. O enredo pode ser assim resumido:

Depois de ter matado Jean Grey, Logan se autoexila numa floresta e vive como um selvagem. Seu exílio autoimposto é interrompido pela aparição de uma jovem chamada Yukio. Ela o encontra em um bar – a propósito, a cena de luta no bar no início do filme contra os caçadores de um urso é de tirar o fôlego. Yukio é filha de Yashida, um homem que Logan salvou durante a explosão da bomba atômica em Nagasaki. Agora Yashida, que está velho e moribundo, faz uma oferta a Logan: que ele transfira seu fator de cura e se livre da imortalidade. Logan rejeita essa oferta e o filme se desenrola no Japão com Wolverine enfrentado samurais e a máfia Yakuza. A tensão toda da trama se dá nessa luta existencial acerca do sentido da finitude humana e do peso da imortalidade. O desejo humano por vencer a morte é corrompido.

Sei que são histórias distintas com pesos e contextos distintos, mas eu não consigo evitar a comparação entre Wolverine e o ultrabom-mocismo divino de Clark Kent, de O Homem de Aço, dirigido por Zack Snyder. A propósito, o filme também é de 2013. E na época assisti aos dois no cinema.

Entre o ultrabom-mocismo divino de Clark Kent e a fragilidade humana do indestrutível Logan, sem dúvida fico com o segundo. As duas adaptações estão ótimas. Mas, quando você começa a assistir ao filme do Wolverine e logo no início se depara com aquela cena da explosão da bomba em Nagasaki, você pensa: “já valeu toda a ensurdecedora e apressada barulheira do filme do Snyder”.

Wolverine é filme de marmanjo. Compare os dramas iniciais: tanto Logan como Clark, nos filmes, estão em busca de respostas. Os dois mergulham fundo na solidão. Os dois buscam em cavernas essas respostas. Mas sem exagero: em qual dos filmes é possível pensar, por exemplo, no Zarathustra do Nietzsche? Quem nós conseguimos ver nos “pensamentos que se escondem atrás dos próprios pensamentos”, a não ser na consciência de Logan por meio de Wolverine?

Entre o ultrabom-mocismo divino de Clark Kent e a fragilidade humana do indestrutível Logan, sem dúvida fico com o segundo

A sequência inicial do sonho dentro do sonho diz tudo: temos acesso aos dilemas de um homem esperando pela luz da redenção: o que é o seu amor por Jean Gray senão essa expectativa? Nunca temos acesso à consciência e aos dilemas do Super-Homem, nem quando ele ama ou quando tem de tomar a mais dura decisão moral. E as cenas dos “bares”: Tanto em um quanto no outro filme há algo relacionado a esse tipo de contexto. No caso do Homem de Aço, esperamos de Clark que ele revide a humilhação sofrida ali, face a face com seus desafetos. Mas a sua virtude da temperança sobre-humana chega a ser irritante. Já em Logan a temperança cede à instauração da justiça pela vingança.

A imortalidade extraterrestre de Kal-El torna-se humanamente tão distante perto da maldição de imortalidade que atormenta Wolverine. Logan não é um deus. Super-Homem é. Não obstante sua mutação genética, Logan é um homem cuja consciência testemunhou os piores horrores produzidos pela humanidade. Essa relação homem e besta aproxima-o de todos os homens, enquanto o Clark Kent explorado pelos filmes de Snyder, no máximo, sofreu bullying na escola e descobriu que a mãe do Batman também chama Marta (mas isso eu deixo para outro dia).

No caso do Super-Homem, o tormento da sua consciência limita-se ao nível de ser um deus salvador ou um bom menino altruísta. Até o principal vilão do filme de Wolverine, nesse sentido, torna-se – se a minha comparação for legítima – mais interessante: a sede humana por imortalidade derivada de uma alma corrompida pela sede de poder. Entre os dois heróis, eu fico com o lado de cá; somos muito mais próximos de um bicho atormentado pelo senso de justiça e pelo fracasso de suas decisões e limites do que por um semideus muitas vezes mal explorado pelo cinema.

Um Feliz ano novo para vocês!

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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