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O patriarca Tikhon de Moscou (à esquerda), em foto de 1923.
O patriarca Tikhon de Moscou (à esquerda), em foto de 1923.| Foto: Wikimedia Commons/Domínio público

Publico hoje um ensaio escrito por Willy Robert Henriques, pastor da Igreja Batista Redenção, em Juiz de Fora (MG), graduado em Teologia pelo Seminário Martin Bucer, mestrando em Divindade pela mesma instituição, aluno de Relações Internacionais e participante do programa Mastership da Stand With Us Brasil.

Como o esquerdismo do século 21 imita o anticristianismo comunista do século 20

“Para os marxistas, cultura é a superestrutura erguida sobre as bases da economia, refletindo os interesses e valores das classes dominantes. A religião não passa de uma crença primitiva, relíquia de um tempo em que os homens ainda se esforçavam por entender o mundo ao redor; é um instrumento utilizado pela classe dominante em termos econômicos para manter os trabalhadores subjugados. Por isso, o triunfo do socialismo trará uma nova cultura, expressão dos interesses e valores do proletariado em ascensão. A religião desaparecerá.

Dessa forma bem direta, o historiador Richard Pipes comenta, em seu livro História concisa da Revolução Russa, a relação entre cultura, religião e o comunismo bolchevique. Como o título do livro diz, Pipes apresenta um panorama histórico da revolução de 1917 na Rússia, bem como os desdobramentos diretos que se deram entre as diversas alas da sociedade russa pós-revolução.

O ponto de partida é a arte. Segundo Pipes, os bolcheviques entendiam que as obras culturais desenvolvidas no período “burguês” eram irrelevantes e deveriam ser destruídas, fazendo então com que novas obras fossem produzidas dentro do contexto do proletariado. As novas obras, no entanto, deveriam ser produzidas pelos proletários, não pelos burgueses. Embora Lênin não concordasse totalmente com essa ideia, ele foi, no mínimo, tolerante. Com isso, muitos esforços foram gastos na tentativa de se criar novos “artistas”. Por um lado, isso fez com que fossem criadas escolas onde as pessoas mais pobres aprendiam sobre poesia, pintura e artes no geral. Por outro, o talento foi deixado de lado em detrimento da classe social. Surgiu, então, uma geração que, no que diz respeito à cultura, pouca coisa produziu de bom.

Após a Revolução Russa, o clero ortodoxo foi privado de seus rendimentos, as igrejas foram espoliadas e seus prédios acabaram se tornando prédios públicos. A educação religiosa foi banida e os feriados religiosos foram convertidos em dias de festas comunistas

A perseguição à fé na União Soviética

No campo da religião a situação foi pior. Enquanto no que diz respeito à arte houve uma mudança significativa, no que diz respeito à religião a intenção era a extinção, não somente a mudança – embora nem todas as religiões fossem perseguidas; o islamismo foi tolerado.

Os ataques, inicialmente, foram direcionados à Igreja Ortodoxa. O clero foi privado de seus rendimentos, as igrejas foram espoliadas e seus prédios acabaram se tornando prédios públicos. Junto a isso, a educação religiosa foi banida, e os feriados religiosos foram convertidos em dias de festas comunistas.

Os bolcheviques também editaram um decreto “Sobre a Separação da Igreja e do Estado”, em que atacavam diretamente as economias da igreja. O decreto obrigava o confisco de bens e de todos os fundos pertencentes as igrejas, bem como as construções e os objetos usados nos rituais litúrgicos. Ao mesmo tempo, proibiam a cobrança de qualquer taxa pela igreja, bem como a arrecadação de ofertas pelos fiéis. Criaram também um isolamento entre paróquias, desestruturando totalmente a igreja: “qualquer cooperação ou simples consulta entre clérigos de diferentes paróquias seria considerada um indício de atividades contrarrevolucionárias”, afirma Pipes.

No ano de 1918, membros das forças armadas comunistas saquearam igrejas e mosteiros, atacaram procissões e assassinaram bispos e padres. Vasily Ivanonovich Ballavin, mais conhecido como Tíkhon, era o líder da igreja patriarcal e condenou publicamente esses ataques. Como resultado, ele acabou sendo condenado a prisão domiciliar. Isso intensificou ainda mais a guerra entre o governo comunista e a Igreja Ortodoxa. Em 1921 e 1922, mesmo com essa maciça perseguição, a Igreja ainda conseguia se manter fora do controle do Partido Comunista.

Lênin, no entanto, não via isso com bons olhos. Explorando as divergências internas da igreja, ele provocou vários conflitos. Com isso, diversos líderes da ala conservadora da igreja foram presos sob a alegação de indiferença da igreja em relação às dificuldades enfrentadas pela população, sobretudo a fome constante e crescente. Sob instrução de Trótski, a igreja foi obrigada a entregar seus objetos de valor, sob alegação de que seriam vendidos e que os recursos seriam usados na ajuda à população faminta. Assim, todos os objetos de prata, ouro e pedras preciosas foram retirados das igrejas.

Tíkhon, obviamente, se opôs a esses atos e ameaçou excomungar todos os envolvidos. Como retaliação, ele foi novamente colocado em prisão domiciliar. Pipes afirma que em alguns lugares, os próprios fiéis resistiram a essa desapropriação, havendo casos em que os crentes enfrentavam de peito aberto soldados armados com metralhadoras.

Além da Igreja Ortodoxa, judeus e católicos também foram perseguidos, presos e mortos na tentativa de extinção da religião. Houve um programa sistematizado de lançar cristãos contra judeus e vice-versa

Sem fazer caso das ameaças de Tíkhon e da vontade do povo, Lênin ordenou que a desapropriação prosseguisse sem esmorecimento. Em nota enviada ao Politburo, em 19 de março de 1922, ele ordenou “numerosas execuções” para aqueles que se opusessem à tomada de valores da igreja, e afirmou que “quanto mais representantes da burguesia conseguirem executar, melhor”. Estima-se que, de abril a junho, 28 bispos e 1.215 padres foram mortos. Durante todo o ano de 1918, aproximadamente 8 mil pessoas foram executadas nessa estratégia de desapropriação dos bens da igreja.

Pipes afirma que essa campanha arrecadou em torno de US$ 4 milhões a US$ 8 milhões, o que num território do tamanho da Rússia seria muito pouco, porcentualmente falando. Isso acabou por provar que as paróquias não tinham tanta riqueza como se pensava. Parte irrisória desse valor foi usada para aliviar a fome do povo – vale lembrar que na fome de 1922 a Rússia recebia ajuda dos Estados Unidos e da Europa.

A estratégia de extinção da religião continuava em curso de forma intensa. A Komsomol, organização juvenil do Partido Comunista, se embrenhou numa campanha de desmoralização dos feriados religiosos. Eles criaram seu próprio Natal, quando bandos de jovens desfilavam vestidos de padres, carregando imagens, gritando blasfêmias e fazendo chacotas das cerimônias que ocorriam nas igrejas. Eles tinham até uma música própria, que dizia: “Não precisamos de rabinos, nem de padres! Vamos espancar os burgueses e estrangular os kulaks!”

Em março de 1922 foi criada a “Igreja Viva”, uma espécie de igreja estatal administrada pela GPU (a polícia secreta russa, precursora da temida KGB) e que mantinha a seu serviço alguns padres renegados. Tíkhon, ainda preso, concordou em se retirar e foi substituído por uma nova administração comandada pelo governo. Isso acabou por levar vários bispos a se unirem à “Igreja Viva”. Os que se opuseram foram presos; os que eram adeptos da nova igreja ocuparam seus lugares.

Em 1923, totalmente alinhada com o Partido Comunista, a “Igreja Viva”, em seu II Conselho, declarou a Revolução de 1917 como um “ato cristão”, negou que houvera perseguição comunista aos cristãos e declarou Lênin como “líder mundial” e “tribuno da justiça social”. Ainda segundo Pipes, na ocasião, o governo soviético foi declarado como o único no mundo a se emprenhar na realização do “Reino de Deus”. Rendido a tudo isso, Tíkhon escreveu uma carta às autoridades negando o seu passado anticomunista e, em abril de 1925, acabou falecendo. Como havia cumprido o seu papel, a “Igreja Viva” foi perdendo o apoio do Kremlin e desapareceu. Pipes afirma que a maioria dos seus líderes foram presos no início dos anos 1930.

Além da Igreja Ortodoxa, judeus e católicos também foram perseguidos, presos e mortos nesta tentativa de extinção da religião. Houve um programa sistematizado de lançar cristãos contra judeus e vice-versa. Jovens judeus eram arregimentados, de propósito, em campanhas antirreligiosas, passando com isso a ideia de que os judeus é que eram os inimigos, reforçando ainda mais o antissemitismo. O único ramo religioso a não sofrer perseguição foi o islamismo. Como Lênin ambicionava os muçulmanos do Oriente Médio, pelo menos até o fim da década os muçulmanos mantiveram seus direitos, seu ensino religioso e suas propriedades religiosas.

Há um movimento crescente da esquerda de extinguir a religião, sobretudo a que traz consigo os valores conservadores judaico-cristãos

Notando as similaridades

Similaridades entre o modus operandi dos comunistas bolcheviques do século 20 e o modus operandi da esquerda socialista do século 21 são claramente perceptíveis. Há um movimento crescente da esquerda de extinguir a religião, sobretudo a que traz consigo os valores conservadores judaico-cristãos. Assim, toda a arte produzida no passado que remete a tais valores é desprezada e há a tentativa de reconstruir e repaginar todo o passado, inclusive por meio de tentativas de se reescrever a história, tornando heróis em vilões e vilões em heróis.

Constantemente ramos do Estado tentam interferir em questões religiosas que não lhe dizem respeito. Caso tivéssemos um governo socialista no poder, é inegável que a situação estaria muito pior. Basta ver como alguns governadores e prefeitos no Brasil se portaram no tratamento da pandemia da Covid-19, agindo de forma totalmente arbitrária, fechando igrejas, interrompendo transmissões de cultos via internet, ameaçando de prisão padres e pastores – sob a alegação de estarem protegendo o povo.

Junto a isso, é crescente em nosso país o vilipêndio de símbolos religiosos caros aos cristãos. Em algumas manifestações esquerdistas, imagens religiosas são introduzidas nas partes íntimas dos manifestantes em forma de protesto. Figuras monstruosas são colocadas nas representações do Cristo crucificado.

Enganados por um discurso de igualdade social e defesa de políticas identitárias, cristãos estão buscando a solução dos problemas sociais fora do cristianismo bíblico e abraçam o socialismo, fazendo deste o seu redentor

Além disso, existe um grande número de líderes religiosos cooptados pela esquerda que renegam princípios básicos do cristianismo para defenderem uma agenda ideologizada e anticristã. Para tais líderes, o evangelho foi reduzido a uma luta de classes e a uma busca frenética por igualdade, estagnando-se somente nisso. O pecado não pode mais ser considerado pecado sob a alegação de que se trata de questões culturais, e apontá-lo pode vir a ofender determinados grupos. A Bíblia foi deixada em segundo plano e a “cultura ideologizada” unida à vontade individual é o que prevalece. Para eles, a Bíblia foi reescrita e reduzida a poucos versículos: “amai ao próximo como a si mesmo” e “não julgueis para não serdes julgados”. Ainda assim, mesmo reduzindo a Bíblia a pouquíssimos versículos, esta continua a ser muito mal interpretada.

Infelizmente, muitos crentes desatentos seguem essa onda. Basta uma olhada nas redes sociais, ou uma simples conversa com alguns, e percebe-se o quanto as pessoas estão afetadas por essas ideias. A tentativa esquerdista de extinção do cristianismo tem sido, em alguns casos, defendida até mesmo por “cristãos”. Enganados por um discurso de igualdade social e defesa de políticas identitárias, muitos estão buscando a solução dos problemas sociais fora do cristianismo bíblico e abraçam o socialismo, fazendo deste o seu redentor. Tais pessoas não percebem que o cristianismo bíblico é a única solução para os problemas que nosso mundo enfrenta e que sempre enfrentou.

Óbvio que não estou defendendo que lutar contra desigualdades seja antibíblico, mas lutar contra as desigualdades deixando de lado o Cristo como revelado na Bíblia é totalmente errado. E é exatamente essa rejeição do Cristo Salvador que a utopia esquerdista tem afirmado. A prova disso é que geralmente há a necessidade de uma reconstrução do Cristo, precisando adaptá-lo ao formato e à agenda de determinados grupos. Infelizmente, “cristãos” que defendem esse tipo de coisa se esquecem de que a Palavra pura e genuína de Cristo é o único remédio. É a Palavra pura e inspirada que traz a solução para todos os problemas da humanidade. Cristo é a solução: mas o Cristo bíblico, não o “Cristo” repaginado e reconfigurado de acordo com a ideologia. No entanto, tais pessoas não enxergam dessa forma. Para eles, a redenção se encontra na política, na educação, na ideologia, menos por meio de Cristo como revelado na Bíblia.

Que Deus guarde seu povo de todo engano, e que o único Jesus, o eterno Filho de Deus, o descendente de Davi, o salvador, o Profeta, o Rei, o sacerdote, o único e verdadeiro Messias, prevaleça.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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