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Nos últimos anos, um fenômeno educacional tem ganhado força entre cristãos, sobretudo católicos romanos e protestantes reformados. Trata-se de um movimento que busca uma educação escolar alinhada à fé, à centralidade da família e comprometida com o tripé da verdade, bondade e beleza, desafiando um ambiente acadêmico cada vez mais politizado e relativista.
Vivemos em um tempo no qual a estrutura educacional predominante não somente desvaloriza o cristianismo, mas, em muitos casos, o trata com hostilidade aberta. Para muitas famílias cristãs, a maior preocupação não é apenas educar seus filhos com excelência acadêmica, mas garantir que essa educação não os afaste de seus valores essenciais. Diante dessa necessidade, surgiram e se multiplicaram as Escolas Cristãs Clássicas (ECC), instituições que buscam unir a cosmovisão cristã à busca pelo saber, resgatando um modelo pedagógico que por séculos moldou a civilização ocidental para o bem.
As escolas que têm aderido à educação clássica não veem a fé como um mero adorno ou um aspecto periférico do currículo. Pelo contrário, ao integrá-la a todas as áreas do conhecimento, preparam seus alunos não só para a vida acadêmica e profissional, mas também para enfrentar com fé e discernimento os desafios intelectuais e espirituais do mundo em que vivem. O objetivo transcende a mera formação de pessoas competentes; busca-se cultivar pessoas sábias, virtuosas e plenamente preparadas para viver com excelência, sem perder de vista sua identidade e vocação cristã.
Esse crescimento da ECC não acontece por acaso. À medida que mais pais percebem as limitações e os perigos da educação progressista, tornam-se mais conscientes da necessidade de oferecer aos seus filhos um ensino que seja verdadeiramente erudito e cristão.
A crise da educação brasileira e a necessidade do resgate da educação clássica
Os resultados do Pisa 2022 evidenciam uma crise persistente e estrutural na educação brasileira, com 73% dos alunos sem alcançar o nível básico em Matemática e mais da metade apresentando deficiências graves em leitura e Ciências. As análises do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede) e do Todos Pela Educação mostram que apenas 5,2% dos alunos da rede pública no 3.º ano do ensino médio atingem aprendizagem adequada em Matemática. Entre os estudantes do 9.º ano do ensino fundamental, somente 16,5% demonstram domínio esperado em Matemática (Iede). No 5.º ano do ensino fundamental, só 43,5% dos alunos da rede pública tiveram desempenho adequado em Matemática e 55,1% em Língua Portuguesa (Iede). As comparações entre redes mostram diferenças expressivas. No 5.º ano, 72,6% dos estudantes da rede privada atingiram o nível adequado em Matemática, frente a 43,5% da rede pública. Em Língua Portuguesa, a diferença foi de 27,4 pontos porcentuais.
Diferentemente dos modelos convencionais, a educação cristã clássica não se limita a transmitir informações, mas busca cultivar a sabedoria e a virtude nos estudantes
Esses índices alarmantes não apenas sinalizam um problema pedagógico, mas expõem a ausência de uma formação intelectual que capacite as novas gerações a enfrentar os desafios e as demandas do mundo real. Revelam que a educação promovida pelos órgãos governamentais, além de tecnicista, revela-se estéril, incapaz de fortalecer a mente e o caráter, e de inculcar o anseio por uma vida virtuosa, marcada por prudência, justiça, fortaleza, temperança, fé, esperança e caridade. Enraizada em uma visão ideológica relativista, ela desconstrói verdades civilizacionais fundamentais e ignora a importância da tradição e dos valores morais objetivos. O resultado é uma geração de pessoas que, mesmo após anos de escolarização, apresentam pouco vigor intelectual, são frágeis emocionalmente e despreparados para os desafios concretos da vida adulta.
O distanciamento de uma abordagem que valoriza a integração entre conhecimento, moralidade e transcendência contribuiu para um ensino fragmentado, onde o aprendizado se resume a conteúdos descontextualizados e desconectados de um propósito maior. A incapacidade de enxergar sentido no conhecimento e aplicá-lo à vida prática cria alunos dependentes, inseguros e suscetíveis a discursos ideológicos que os afastam da realidade e do senso de responsabilidade dentro de suas comunidades.
Em meio a esse cenário de crise, a ECC ressurge como um caminho para restaurar a formação integral do indivíduo, unindo tradição e excelência acadêmica. Diferentemente dos modelos convencionais, essa abordagem não se limita a transmitir informações, mas busca cultivar a sabedoria e a virtude nos estudantes. Afinal, como pontuado por G.K. Chesterton: “Educação não é um conteúdo e nem lida com conteúdos. É, antes, a transmissão de um modo de vida”.
Raízes da educação cristã clássica
Mais do que um método pedagógico, trata-se de uma filosofia educacional que busca moldar mentes e corações. Seu alicerce encontra-se na tradição intelectual da Grécia e Roma antigas, onde a busca pela sabedoria (sapientia) era considerada a mais elevada das aspirações humanas. Posteriormente, esse ideal foi adotado pelo cristianismo, que uniu razão e revelação divina, consolidando um modelo educacional que perdurou por séculos e moldou a civilização ocidental.
No âmago desse modelo estão o trivium e o quadrivium, as “sete artes liberais” que estruturaram o pensamento acadêmico medieval. O trivium – Gramática, Lógica e Retórica – forma a base do aprendizado, fornecendo as ferramentas para compreender, analisar e expressar a verdade com clareza e elegância. A gramática ensina a estrutura da linguagem e a precisão na comunicação; a lógica disciplina o raciocínio e desenvolve a habilidade de argumentar com coerência; e a retórica lapida a expressão persuasiva, garantindo que o conhecimento não seja apenas internalizado, mas articulado com sofisticação e clareza. Já o quadrivium, composto por Aritmética, Geometria, Música e Astronomia, transcende a mera aplicação técnica das ciências exatas. Ele convida o aluno a contemplar a ordem, a harmonia e a beleza do cosmos, revelando a assinatura do Deus Criador na beleza da criação.
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Essas disciplinas não eram fins em si mesmas, mas caminhos para a sabedoria. O propósito final da educação clássica não se restringia à formação de especialistas, mas buscava o desenvolvimento de pessoas íntegras, dotadas de pensamento robusto e profundamente enraizadas na verdade objetiva.
Essa concepção remonta a pensadores como Agostinho de Hipona, que afirmou que toda busca pelo conhecimento deve conduzir ao amor à verdade; e Tomás de Aquino, que harmonizou fé e razão, mostrando que a ciência e a revelação divina caminham juntas. Esse legado foi retomado por Martinho Lutero e Philip Melanchthon, que, ao estabelecer um modelo educacional fundamentado nas Escrituras, defenderam a universalização da instrução e a formação de mentes eruditas e corações piedosos, garantindo que o saber servisse à verdade e à edificação moral da sociedade.
O declínio da educação moderna
O advento do Iluminismo e sua ênfase na razão autônoma, divorciada da fé, provocou uma ruptura drástica com o modelo educacional mantido pela sociedade cristã da época. A busca pela unidade do saber, antes integrada e dependente da fé e da revelação, foi substituída por uma abordagem fragmentada, em que o conhecimento passou a ser compartimentalizado e desvinculado de valores transcendentais.
Essa ruptura se acentuou com a influência do pensamento de Jean-Jacques Rousseau, que estabeleceu a ideia de que “o homem é bom, mas a sociedade o corrompe”. Esse princípio filosófico, que se tornou profundamente influente na pedagogia moderna, promoveu uma visão distorcida da natureza humana, ignorando a realidade do pecado pessoal, da depravação moral e da rebelião contra Deus. Ao retirar o Criador da centralidade da educação, o homem, em sua pretensão de autonomia, abandona a verdadeira sabedoria e caminha para o que as Escrituras chamam de loucura.
A aplicação desse pensamento na educação gerou um sistema que exalta o indivíduo, concedendo-lhe total autoridade moral sobre si mesmo, ao mesmo tempo em que rejeita qualquer estrutura objetiva de verdade. Como consequência, as teorias pedagógicas passaram a ser construídas sobre a premissa de que o estudante é inerentemente sábio e autossuficiente, bastando apenas ser “libertado” das imposições externas e tradicionais.
Em vez de preparar os alunos para a vida adulta, o sistema educacional moderno os mantém em um estado de infantilidade, tornando-os incapazes de enfrentar desafios reais e tomar decisões fundamentadas
No século 20, essa concepção ganhou força e encontrou sua máxima expressão em métodos educacionais que rejeitam o princípio de autoridade e promovem uma liberdade sem limites, resultando em um ambiente escolar caótico, onde a busca pelo saber é substituída pela satisfação de desejos momentâneos. O sistema educacional brasileiro, capturado por esse paradigma, tornou-se um espaço onde modismos intelectuais e ideologizados ditam o que deve ser ensinado e onde a formação moral é vista como obsoleta ou repressiva.
A perda do antigo modelo educacional deixou uma geração à deriva, privada das ferramentas necessárias para discernir, argumentar e articular suas convicções. O pensamento tornou-se volátil, sujeito a uma avalanche de ideias progressistas que não apenas deformam a visão de mundo dos alunos, mas os afastam da realidade concreta. Em vez de prepará-los para a vida adulta, o sistema educacional moderno os mantém em um estado de infantilidade, tornando-os incapazes de enfrentar desafios reais e tomar decisões fundamentadas.
Educação clássica: resgate da excelência ou retrocesso?
Alguns críticos tentam sustentar que a educação cristã clássica seria anacrônica, um resquício do passado incapaz de dialogar com as complexidades do mundo atual. No entanto, a realidade desmente essa premissa. Quando confrontamos essa visão com dados concretos, um fato inegável emerge: longe de ser um retrocesso, a ECC representa um modelo educacional que forma pessoas com uma base intelectual, moral e espiritual incomparável.
O relatório Good Soil Report, um estudo norte-americano extenso, que comparou ex-alunos de diversos sistemas educacionais, revelou números notáveis. Entre aqueles que estudaram sob a abordagem cristã clássica, 88% concluíram um bacharelado ou nível superior, contrastando com os 45% dos educados no modelo de educação doméstica. No que tange à inserção no mercado de trabalho, 73% dos egressos das escolas cristãs clássicas afirmam sentir-se plenamente preparados, superando os 50% dos ex-alunos de escolas cristãs convencionais.
O impacto da ECC transcende a esfera acadêmica e profissional. Seu efeito é perceptível na formação espiritual e na construção de uma cosmovisão coesa. Enquanto 70% de alunos formados pela educação cristã clássica leem as Escrituras regularmente, esse número cai para cerca de 55% entre aqueles que estudaram em escolas cristãs tradicionais ou no ensino domiciliar. Da mesma forma, 88% dos egressos das escolas clássicas cristãs frequentam a igreja pelo menos três vezes ao mês, contrastando com os 65% observados em outros modelos cristãos de ensino.
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Nos Estados Unidos, cerca de 680 mil alunos estavam matriculados em escolas cristãs clássicas durante o ano letivo de 2023-2024, incluindo programas domiciliares. Estima-se que esse número ultrapasse 1,4 milhão até 2035. Esses dados não apenas reforçam a solidez acadêmica da ECC, mas evidenciam sua eficácia em capacitar pessoas para os desafios da vida adulta. Não se trata, portanto, apenas de formar pessoas eruditas, mas de moldar vidas enraizadas em princípios baseados na fé e na revelação, capacitando-as a viver com convicção e propósito.
O crescimento da educação cristã clássica no Brasil
O aumento expressivo de escolas cristãs clássicas no Brasil entre católicos romanos e protestantes reformados comprova que esse modelo é uma resposta robusta e fundamentada ao colapso educacional progressista. O interesse crescente das famílias pela educação cristã clássica revela um desejo profundo de devolver à educação seu propósito mais elevado: formar corações retos, mentes lúcidas e almas preparadas para discernir e viver segundo a fé, buscando o verdadeiro, o bom e o belo.
Nesse contexto, tive a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento da Trinitas – Escola Cristã Clássica, fundada em São Bernardo do Campo (SP), que tem se destacado como uma referência no resgate da ECC no Brasil. Com mais de seis anos de atuação e 300 alunos matriculados para 2025, sua proposta pedagógica une excelência acadêmica e formação moral, enfatizando o cultivo da virtude, sabedoria e eloquência.
O crescimento da Trinitas levou à expansão para novas unidades em Jacareí, no Vale do Paraíba, e na Lapa, em São Paulo, refletindo a alta demanda por esse modelo educacional diferenciado. Eu tive o imenso privilégio de discursar na inauguração de duas unidades: em São Bernardo do Campo, em 27 de março de 2019, e em Jacareí, em 23 de novembro de 2024.
Servindo-se do trivium – Gramática, Lógica e Retórica –, a escola se dedica a capacitar os alunos para pensar com clareza, argumentar com coerência e viver com propósito, fundamentados na fé, e no anseio pela verdade, bondade e beleza. Mais do que formar bons profissionais, a Trinitas investe na formação de cidadãos íntegros, comprometidos com a cosmovisão cristã. Seu sucesso é um reflexo do crescente interesse pela ECC no Brasil, demonstrando que esse modelo não apenas resgata uma grande tradição, mas também oferece uma resposta sólida à crise educacional contemporânea.
A educação cristã clássica não é um anacronismo ou um capricho antiquado; é, antes, um chamado urgente à restauração do real aprendizado
Um chamado à ação
A educação cristã clássica não é um anacronismo ou um capricho antiquado; é, antes, um chamado urgente à restauração do real aprendizado. Em tempos caracterizados por discursos frágeis, convicções voláteis e uma educação cada vez mais capturada por ideologias transitórias, a necessidade de um ensino ancorado na fé, na tradição e na busca da verdade objetiva nunca foi tão premente.
Resgatar esse modelo não significa rejeitar os frutos legítimos do conhecimento moderno, mas sim recolocar a educação sobre alicerces sólidos, tais como a revelação e a tradição, capazes de formar corações íntegros, mentes lúcidas e vidas que anseiam pela fé, pelo belo, pelo bom e pela verdade. A ECC nos lembra que aprender é muito mais do que acumular informações: é cultivar a alma para a eternidade, nutrindo virtudes que moldam não apenas o intelecto, mas também o caráter.
Se a pedagogia contemporânea, com toda a sua retórica de inovação, fosse tão eficaz quanto seus defensores proclamam, não veríamos o crescente êxodo de pais, professores e escolas em direção à tradição clássica. A resposta a essa mudança é tão clara quanto irrefutável: a educação cristã clássica funciona. Sempre funcionou no Ocidente. Porque está firmada não em modismos passageiros, mas na revelação de Deus sobre a natureza humana e sobre o propósito maior do aprendizado.
É apropriado concluirmos com uma prece ao Deus Uno e Trino do Livro de Oração Comum: “Entregamos aos teus cuidados as nossas escolas e pedimos-te que concedas que nossos filhos cresçam num conhecimento e sabedoria que seja útil, bem como nas virtudes cristãs, e ajuda-os para que possam produzir bons frutos para a vida aqui neste mundo. Dá sabedoria, senso de responsabilidade, espírito de sacrifício e paciência aos professores e mestres para que possam cumprir com alegria e prazer a sua vocação de educadores da justiça que provém de Cristo. Por tua misericórdia, Senhor, ouve a nossa oração. [...] Amém”.
Coluna escrita em coautoria com Elmer Garcia Pires, pastor da Igreja Batista Reformada Central de São Bernardo do Campo (SP), bacharel em Teologia e mestrado em Educação pela Universidade Bob Jones, além de bacharel em Teologia pela Faculdade Dehoniana, com licenciatura em Pedagogia.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos