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Franklin Ferreira

Franklin Ferreira

Julgamento no STF

Justiça ou espetáculo? Bolsonaro e as lições do Reichstag

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Advogados de defesa apresentaram seus argumentos no segundo dia de julgamento de Jair Bolsonaro e mais sete réus. (Foto: Rosinei Coutinho/STF)

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A trajetória dos julgamentos encenados, da Alemanha ao Brasil, revela como tribunais podem ser facilmente convertidos em instrumentos de espetáculo político. Quando isso ocorre, a busca pela justiça cede lugar à invenção de uma narrativa conveniente ao poder e à ideologia dominante. A sentença é antecipada pelo clima de pressão, e o processo se reduz a um ritual de legitimação. Esse desvirtuamento da justiça corrói a confiança da sociedade, mina a credibilidade das instituições e abre caminho para que o Estado use a lei como arma contra seus opositores.

O incêndio do Reichstag

Em 27 de fevereiro de 1933, o incêndio do Reichstag, epicentro da vida política alemã, tornou-se o estopim de um período marcado pelo avanço do totalitarismo. O ataque foi atribuído a Marinus van der Lubbe, um jovem comunista holandês com possíveis transtornos psicológicos. Entre setembro e dezembro de 1933, o chamado Processo do Reichstag, realizado em Leipzig, julgou Van der Lubbe e outros quatro comunistas, três búlgaros e um alemão, sob a acusação de conspirar contra o governo de Adolf Hitler.

Em 23 de dezembro, apenas Van der Lubbe foi condenado. Ele foi executado em janeiro de 1934, enquanto os demais réus foram absolvidos por falta de provas. Contudo, o julgamento já havia cumprido seu propósito político: o presidente Paul von Hindenburg aproveitou o episódio para promulgar o Decreto do Incêndio do Reichstag, que suspendeu liberdades civis e ampliou a repressão à oposição; e a Lei Habilitante, que concedeu a Hitler poderes ditatoriais, selando o fim da democracia alemã e a consolidação do regime nazista. O caso exemplifica como regimes totalitários manipulam o Judiciário, transformando tribunais em palcos de propaganda e repressão.

O julgamento de Bolsonaro

No Brasil, os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadiram as sedes dos três poderes em Brasília, foram oficialmente enquadrados como uma tentativa de golpe de Estado. No entanto, as evidências apontam para um protesto desorganizado, sem coordenação estratégica, apoio militar ou estrutura logística capaz de ameaçar efetivamente o governo. Além disso, o apagamento das imagens internas das câmeras do Ministério da Justiça naquele dia levanta sérias suspeitas de negligência ou manipulação, comprometendo a transparência das investigações. Bolsonaro, que se encontrava nos Estados Unidos na ocasião, foi acusado de liderar o movimento, resultando em seu julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a partir de 2 de setembro de 2025.

As ações judiciais contra Bolsonaro evidenciam um padrão de perseguição política que ultrapassa limites razoáveis, corroendo os princípios do devido processo legal

O processo contra Bolsonaro revela todos os sinais de um julgamento encenado. Sob a condução do ministro Alexandre de Moraes, o STF assume simultaneamente os papéis de vítima, acusador e julgador, comprometendo de forma evidente sua imparcialidade. O tribunal, influenciado por aliados do governo socialista de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), promove uma narrativa que associa Bolsonaro a um suposto plano golpista, o “Punhal Verde e Amarelo”. Até o momento, porém, não foram apresentadas provas robustas que liguem diretamente o ex-presidente a qualquer tentativa de subverter a ordem democrática.

As ações judiciais contra Bolsonaro evidenciam um padrão de perseguição política que ultrapassa limites razoáveis, corroendo os princípios do devido processo legal. Desde os eventos de 8 de janeiro de 2023, o ex-presidente vem sendo alvo de medidas severas impostas pelo STF. Em fevereiro de 2023, teve seu passaporte apreendido, restringindo sua liberdade de locomoção sob o argumento de risco de fuga, sem indícios concretos de tal intenção. Em junho, o TSE o declarou inelegível até 2030, com base em alegações de abuso de poder econômico e disseminação de fake news durante as eleições de 2022 – uma decisão amplamente vista como forma de afastar um opositor político da disputa eleitoral.

A escalada continuou com investigações sobre supostas irregularidades, incluindo a venda de joias sauditas e incitação à violência. Em março de 2025, o STF aceitou a denúncia contra Bolsonaro e outros sete réus por tentativa de golpe de Estado, tornando-os réus na Ação Penal 2.668. Antes mesmo do início do julgamento, em julho, Moraes impôs medidas cautelares adicionais, como tornozeleira eletrônica e proibição de contato com investigados. O ápice ocorreu em 4 de agosto de 2025, quando decretou sua prisão domiciliar por suposto descumprimento de restrições, incluindo uso de celular e contato com terceiros. A medida, imposta monocraticamente sem julgamento concluído, prevê vigilância externa, checagem de veículos e proibição de dispositivos eletrônicos, configurando uma severa limitação à liberdade pessoal que muitos interpretam como punição antecipada.

Essas medidas parecem mais voltadas a silenciar a oposição do que a buscar justiça. A ausência de provas concretas, o processo acelerado e as prisões preventivas de aliados antes do julgamento reforçam a percepção de um Judiciário instrumentalizado, onde decisões monocráticas superam o contraditório e o amplo direito de defesa. Tal abordagem não apenas fragiliza a democracia brasileira, mas ecoa táticas totalitárias, transformando o STF em uma ferramenta de consolidação de poder, em detrimento da equidade e da transparência.

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No Senado

Em 2 de setembro de 2025, o ex-assessor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Eduardo Tagliaferro depôs na Comissão de Segurança Pública do Senado, apresentando denúncias contundentes contra Moraes. Segundo ele, o ministro teria usado relatórios retroativos para justificar operações contra apoiadores de Bolsonaro, configurando, na avaliação de Tagliaferro, uma “fraude processual”. Os documentos, segundo o ex-assessor, foram produzidos após vazamentos seletivos à imprensa, com o objetivo explícito de legitimar ações já executadas, e serviram para direcionar inquéritos sem supervisão legal, corroendo princípios de transparência e imparcialidade.

O depoimento, detalhado e coincidente com o início do julgamento de Bolsonaro, ampliou a tensão política no Congresso. Parlamentares da oposição questionaram a legitimidade do processo no STF, e a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) solicitou a suspensão imediata do julgamento até que as denúncias fossem investigadas. A comissão decidiu encaminhar um relatório ao STF, TSE, OAB e CNJ, pedindo proteção a Tagliaferro, atualmente na Itália.

O episódio evidencia a gravidade de eventuais manipulações institucionais e reforça o debate sobre a instrumentalização do Judiciário contra adversários políticos, levantando sérias preocupações sobre a vulnerabilidade das instituições brasileiras e a integridade de processos que deveriam ser imparciais e fundamentados em provas concretas.

Pressão internacional

O julgamento de Bolsonaro não se limita ao cenário interno, mas acontece sob intenso escrutínio internacional, com impactos diretos sobre a imagem e a credibilidade do Brasil. Os Estados Unidos, historicamente defensores de princípios democráticos, reagiram de forma contundente. Em julho de 2025, Moraes foi alvo de sanções americanas: em 18 de julho, o Departamento de Estado revogou seus vistos; em 30 de julho, o Departamento do Tesouro aplicou sanções financeiras com base na Lei Magnitsky, acusando-o de violações de direitos humanos no exercício de suas funções judiciais.

O incêndio do Reichstag, em 1933, e as depredações em Brasília, em 2023, revelam como eventos críticos podem ser usados politicamente para moldar narrativas e reforçar o poder

Essas medidas deixam claro que julgamentos politicamente motivados não afetam apenas a política interna, mas comprometem a confiança de parceiros globais, prejudicam negociações comerciais, afastam investimentos estrangeiros e deterioram a reputação das instituições nacionais. A instrumentalização do Judiciário transforma o Estado de Direito em um instrumento de perseguição política, expondo o Brasil a pressões externas e levantando dúvidas sobre seu compromisso com a democracia. O episódio evidencia que abusos judiciais têm repercussões internacionais, corroendo não apenas a legitimidade das decisões internas, mas também a posição estratégica e econômica do país no mundo.

Uma arma política

O incêndio do Reichstag, em 1933, e as depredações em Brasília, em 2023, revelam como eventos críticos podem ser usados politicamente para moldar narrativas e reforçar o poder. Na Alemanha, o incêndio, atribuído a Van der Lubbe, foi explorado pelos nazistas como pretexto para esmagar a oposição e instaurar um regime totalitário, mesmo sem provas de conspiração comunista. O episódio tornou-se símbolo de como um ato isolado, rapidamente instrumentalizado, pode legitimar medidas de exceção.

No Brasil, a invasão das sedes dos três poderes em 8 de janeiro de 2023, embora oficialmente classificada como tentativa de golpe de Estado, carece de evidências concretas que sustentem essa narrativa. Ainda assim, o episódio foi convertido em símbolo de ameaça à democracia e usado para justificar ações severas contra opositores políticos. Nesse contexto, a condução do STF, em especial sob Moraes, levanta dúvidas sobre a imparcialidade judicial, transformando tribunais em palcos de espetáculo político.

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A falta de provas concretas contra Bolsonaro reforça a impressão de que seu julgamento se pauta mais na construção de uma narrativa que já o considera culpado do que na apuração objetiva dos fatos. Assim como o incêndio do Reichstag foi usado para legitimar a repressão, os eventos de 8 de janeiro têm sido explorados para enquadrar qualquer adversário como inimigo do regime democrático.

Esses paralelos funcionam como um alerta: quando o Judiciário é transformado em ferramenta política, a confiança pública se desgasta e a democracia se enfraquece, abrindo espaço para abusos e totalitarismo. O julgamento de Bolsonaro representa um teste decisivo para a democracia brasileira. A preservação do Estado de Direito depende da separação de poderes, da imparcialidade judicial e do respeito ao devido processo legal. A instrumentalização da justiça, ontem como hoje, ameaça diretamente esses pilares. Cabe à sociedade e às instituições garantir que os tribunais permaneçam verdadeiros bastiões de justiça, e não se convertam em instrumentos de opressão.

Um chamado aos cristãos

Como cristãos, diante de cenários de injustiça e manipulação política, somos chamados a agir com sabedoria, coragem e fé. Devemos orar pelas autoridades, para que governem com justiça e temor a Deus, mas também permanecer vigilantes, denunciando abusos e defendendo a verdade com amor e firmeza. Nossa esperança não está nos homens, mas no Senhor, que reina, julga com retidão e restaura a justiça. Mesmo em tempos de crise, podemos confiar que Ele é o justo juiz, que consola os corações aflitos e protege os inocentes: “Levanta-te, ó Deus, julga a terra, pois a ti pertencem todas as nações” (Sl 82,8). Que nossa fé nos conduza a agir com integridade, coragem e compaixão, lembrando que Deus está no controle da história, e que, em sua soberania, ele “remove reis e estabelece reis” (Dn 2,21). Que nossa vida e nossas palavras reflitam essa confiança, sendo luz e testemunho em tempos de trevas.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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