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O lugar mais potencialmente perigoso para muitas crianças é a cadeirinha do banco traseiro do carro. E não me refiro apenas ao bebê conforto ou às cadeirinhas com suporte para o tronco. Aliás, várias crianças maiores, que não precisam mais do assento elevado, seguem sob risco. Vou além: mesmo após os dez anos, quando já podem sentar no banco da frente, o perigo ainda pode existir.
E não há proteção adicional: não importa a marca ou o modelo do assento, se tem ou não o selo do Inmetro, se a criança está ou não de cinto de segurança... O melhor e mais caro assento pode ser um lugar altamente perigoso para os filhos.
O motivo disso é que é sentada nessa cadeira que muitas crianças vão passar horas a fio apenas observando o comportamento dos pais. É lá que elas podem ter boa parte do potencial da sua vida comprometido por condutas ruins e traumas não resolvidos dos pais. É sentado ali que o filho vai conhecer o caráter dos pais e absorver a maioria dos comportamentos – positivos e negativos – que vai carregar para o resto da vida.
No banco da frente, alguns pais tem o costume de conversar entre si expressando o que vem à mente desconsiderando que, mesmo que não pareça, a criança está ouvindo com atenção e absorvendo tudo como uma esponja.
Esses pais se acostumaram a ter discussões seguidas e acaloradas na frente dos filhos. Habituaram-se a reclamar constantemente da vida e a falar mal do trabalho, do clima, da política, da igreja, da família, de tudo... Não veem problemas em fofocar e julgar amigos, familiares e colegas de trabalho a todo momento – tudo isso abertamente, sem filtros.
Imagine como é grande a possibilidade de que uma criança que ouve diariamente seus pais reclamarem do trabalho desenvolva desde cedo uma percepção negativa em relação ao trabalho e, no futuro, torne-se um mau profissional.
Agora imagine o impacto emocional a um filho que com frequência ouve os pais debaterem (muitas vezes em tom de desespero, sem transmitir nenhuma segurança) sobre problemas íntimos, como crises financeiras, conjugais ou de saúde – problemas esses que ele ainda não está preparada para lidar.
Hábitos que podem colocar tudo a perder com os filhos
Poucas coisas são tão tristes quando ver uma criança com um belo potencial pela frente sendo arrasada pouco a pouco por um alto e constante nível de negatividade expressado pelos pais. É como ver a vaca indo para o brejo, onde possivelmente ficará presa e morrerá afogada, por descuido do fazendeiro que não a protegeu.
Não é novidade que crianças aprendem essencialmente por observação e imitação. Mas um estudo recente da Universidade Erasmus de Roterdã, na Holanda, explicou mais a fundo como os filhos absorvem mensagens implícitas nas interações entre os pais.
O estudo Mentiras parentais para os filhos: uma revisão sistemática (2024) mostrou como as crianças são sensíveis às interações verbais e não verbais do pai e da mãe e que conversas carregadas de negatividade, desequilíbrio ou desonestidade entre os pais podem ser interpretadas como normas de comportamento aceitáveis, influenciando sua própria comunicação e relacionamentos futuros.
Em resumo: pais que têm o hábito de reclamar, mentir ou criticar a tudo e a todos na frente dos filhos estão, na prática, mostrando a eles que isso é um comportamento a ser seguido. Como aprendem imitando, os filhos estão sendo obrigados a carregar um peso que jamais deveria ter sido colocado sobre seus ombros, e pode ser que nunca consigam se livrar deles.
Dentro ou fora do carro, siga pelo caminho estreito
Felizmente há uma outra forma de usar esse espaço tão precioso, que é o banco traseiro do carro – mas que também pode ser a mesa em que vocês fazem as refeições, o sofá da sua sala, a fila do mercado... enfim, qualquer lugar em que seus filhos tenham a oportunidade de conhecer a fundo quem você é e aprender a partir do que sai da sua boca quando não está necessariamente pensando em ensinar.
Ao mesmo tempo em que a cadeirinha do carro pode ser um lugar potencialmente destrutivo, também pode ser o lugar em que seus filhos terão acesso à sua melhor versão, aprenderão sobre o seu caráter e absorverão aprendizados positivos que irão guiá-los durante toda a vida.
Isso não é, nem de longe, um convite à perfeição. Você vai ter dias bons e ruins, mais e menos estressantes, vai ter que lidar com problemas simples e outros mais sérios e por aí vai. Mas é preciso entender que nem tudo o que se pensa deve ser falado na frente dos filhos. Todos nós, sem exceções, temos vícios de comportamento e falhas de caráter, mas cabe a cada um aprender a filtrar o que dizemos.
Há um provérbio bíblico que diz que “a língua tem poder para trazer morte ou vida”. Seja dentro ou fora do carro, é sua responsabilidade trazer vida para sua casa, e jamais o contrário. E lembre que nunca é tarde para começar a fazer as coisas certas. Faça sua parte!
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