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Direito de ir e vir
| Foto:
Daniel Derevecki/Gazeta do Povo

Há alguns anos li e de imediato concordei com um artigo que falava sobre o desconforto de usar salto nas calçadas de Curitiba.

Com o interesse superficial de quem analisa o tema apenas sob a ótica feminina da moda e elegância, minha indignação sobre a predominância de petit pavê e blocos irregulares de paralelepípedo na maior parte das veredas da cidade limitou-se à possibilidade de torcer um pé ou quebrar o salto num dos incontáveis buracos que esses materiais fazem emergir com o passar do tempo.

Hoje, diante da realidade de conviver com uma mãe cadeirante, a vida tem mostrado que as calçadas da cidade são muito mais nocivas e prejudiciais do que um salto quebrado. Na verdade, nossas calçadas são segregadoras, discriminantes. Desumanas.
A remodelação constante provocada pelo trabalho dos próprios materiais, agravada pelo crescimento das raízes das árvores plantadas ao longo das ruas, provocam buracos e elevações dos pisos e rampas destinados ao uso de pedestres – por onde também circulam as pessoas com necessidades especiais – são impeditivos reais do direito constitucional de ir e vir.

Quem necessita ou convive com pessoas que usam bengala ou cadeiras de roda sabe que é praticamente impossível circular pela cidade.

E quem se arrisca conhece muito bem a sensação de desequilíbrio e insegurança constantes. Aliás, o cadeirante que anda pelas calçadas da cidade conhece ainda outra sensação inesquecível: a de batedeira elétrica. Reação decorrente do impacto das rodas da cadeira no piso irregular, a trepidação afeta até o cérebro.

A cidade que há décadas vem usando de todas as formas de mídia para divulgar o status de “Capital Ecológica” (apesar de 40% de suas residências ainda não serem ligadas à rede de esgoto, mas isso é outro assunto), esqueceu que o conceito de ecologia trata de ecossistemas onde se garanta a sobrevivência de todos os seres vivos e suas interações. Ou seja, necessária e obrigatoriamente, deve incluir o atendimento às necessidades dos seres humanos presentes.

Sob tal ótica, fazer cumprir os direitos e liberdades básicos de todos os seres explicitados na Declaração Universal dos Direitos Humanos em vigor desde 1948, não apenas faz parte dos estudos globalmente aceitos sobre ecologia, como também do Programa Cidades Sustentáveis lançado em 1992 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, no qual o tema sustentabilidade urbana é tratado sob inúmeras formas, inteligentes, inovadoras e criativas de responder, entre outras coisas, aos desafios do crescimento e envelhecimento da população.

Curitiba se apresenta como uma cidade sustentável. Aliás, em 2010, desbancou outras cidades da Europa, Ásia e Oceania e conquistou o prêmio Globe Award Sustainable City, organizado pelo Globe Fórum, da Suécia, que todo ano elege a cidade mais sustentável do mundo. Foi o segundo prêmio mundial vencido por Curitiba naquele ano. Em janeiro, a cidade já havia ganhado o Sustainable Transport Award, em Washington, pela implantação da Linha Verde.

Cito esses dois prêmios, entre muitos recebidos pela administração da cidade, com a intenção de chamar a atenção para a responsabilidade que implica em recebê-los.

Até quando os dirigentes da capital paranaense vão contentar-se com títulos internacionais conquistados muito mais pela eficiência do marketing do que por sua efetividade, enquanto seus moradores continuam convivendo com esgoto a céu aberto, com uma Linha Verde incompleta e intransitável e os cadeirantes são confinados a permanecer dentro de suas casas por não conseguirem circular pelas calçadas da cidade?

Artigo escrito por Clarice López de Alda, jornalista e diretora do Instituto GRPCOM.

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