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Os inocentes pagam pelos culpados
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Antonio Scorza/AFP
Voluntários da ONG Rio de Paz fincaram, na madrugada de segunda-feira (19), 594 vassouras pintadas de verde e amarelo nas areias da Praia de Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro. O ato representa um protesto contra a corrupção no país. O grupo também estendeu uma faixa com a inscrição “Congresso Nacional, Ajude a Varrer a Corrupção do Brasil”.

Nos últimos anos crescem denúncias de desvios de recursos públicos praticados por meio de gestores em órgãos governamentais. Não que este assunto seja novidade nos noticiários, mas dessa vez um fato incomoda muito.

As denúncias de desvio apontaram ONGs como instrumentos dessas práticas, trazendo consigo uma altíssima carga negativa em relação à credibilidade de toda e qualquer ONG brasileira. Generalizam um conceito negativo com base em poucos maus exemplos de organizações de fachada utilizadas para desvios financeiros.

Com isso, todas as ONGs do Brasil resultam penalizadas em termos de credibilidade. Um caso clássico dos inocentes pagando pelos culpados. Para reverter essa situação, além da imprensa brasileira parar de generalizar em suas denúncias, precisa-se conhecer mais as ONGs e saber que para cada mau exemplo, milhares de organizações estão trabalhando arduamente para cumprir suas missões, com lisura e bom uso dos recursos.

Presume-se a existência de 250 a 300 mil organizações não governamentais no país, mesmo com a falta de dados estatísticos atualizados e confiáveis. Neste conjunto encontram-se Associações Civis e Fundações Privadas sem fins lucrativos, muitas delas mais conhecidas por nomes-fantasia como Institutos, Centros, Grupos e outras denominações. Outra maneira como têm sido conhecidas é pela sigla OSCIP, que significa Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.

A imensa maioria delas é bastante modesta, luta para continuar em atividade no cumprimento de seu objetivo institucional e pagar as contas, e, em geral não têm uma gestão profissional e contam majoritariamente com mão de obra voluntária.

As formas de financiamento de suas atividades são múltiplas. O espectro vai desde aquelas que são mantidas apenas com recursos de origem privada (doações de pessoas físicas e/ou de pessoas jurídicas) até aquelas que somente contam com recursos públicos (provenientes de contratos ou convênios com órgãos governamentais municipais, estaduais e/ou federais). Entre estes extremos podemos observar ONGs que captam recursos de fontes diversas, privadas e públicas, em combinações variadas.

O fenômeno que ora se observa na escalada de denúncias estampadas na mídia decorre de inúmeros fatores, dentre os quais citamos:

1. O real crescimento do número de novas organizações sociais surgidas a partir dos anos 80, período marcado pela redemocratização do país e a consolidação do novo status político e social;

2. A liberdade política veio acompanhada de flexibilização e redefinição do papel e do tamanho econômico do Estado e da sociedade, para a qual são progressivamente transferidas atribuições na execução das políticas públicas sociais em áreas não exclusivas do Estado;

3. O descompasso da legislação e dos órgãos de controle brasileiros frente a novas e crescentes formas de relacionamento entre o setor público e o setor privado não lucrativo; pessoas mal intencionadas têm sido mais criativas do que a efetividade dos sistemas de controle e fiscalização existentes no país.

Some-se a este último a capacidade infinita de agentes públicos e privados em usar sua inteligência e rede de informações para testar os limites da ilegalidade e da impunidade.

Culturalmente, existe uma necessidade urgente de resgatar no Brasil os padrões éticos que regem a vida em sociedade. Se, de um lado, o aperfeiçoamento do marco regulatório é uma necessidade urgente, de outro, o rigor na fiscalização deve ser combinado à efetiva penalização dos envolvidos em ações de descumprimento da norma vigente. Ou seja, a impunidade enfraquece a efetividade da fiscalização.

Outras medidas de interesse público que devem ser adotadas: realização de concursos públicos de projetos para selecionar ONGs aptas a fornecer o serviço requerido pelo órgão governamental, por meio de editais bem estruturados e tecnicamente consistentes; acompanhamento just-in-time da execução físico-financeira da parceria e não pós-encerramento do projeto.

A qualquer tempo deve ser assegurada a liberdade de imprensa e o jornalismo investigativo que informam e esclarecem a sociedade que lê e tem capacidade crítica. Mas a imprensa precisa atuar com enorme senso de responsabilidade e com grande conhecimento do tema, pois escrever sobre o terceiro setor, definitivamente, não é para amadores.

A falta de bom senso neste caso tem feito que o imenso número de ONGs sérias, transparentes e confiáveis sofram uma mancha em suas imagens institucionais por culpa de uma minoria inescrupulosa que utiliza recursos públicos em seu próprio benefício. No gigantesco (e admirável) movimento da imprensa brasileira em acabar com a corrupção no país deve-se tomar muito cuidado para que os inocentes não paguem pelos culpados.

*Artigo escrito por Ana Lúcia Jansen de Mello de Santana (economista, advogada, professora do Depto de Economia da UFPR e coordenadora do NITS) e Leonardo Jianoti (economista especializado em investimentos de impacto e sócio-fundador da Amplus Capital), da equipe da Universidade Federal do Paraná, parceira do Instituto GRPCOM.

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