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Foto: MARCELO CAMARGO/AFP
Foto: MARCELO CAMARGO/AFP| Foto:

Foi durante sua entrevista ao Jornal Nacional, na segunda-feira (27), que o candidato Ciro Gomes (PDT) anunciou o lançamento de uma cartilha explicando o que é, até agora, sua principal promessa eleitoral: retirar o nome de milhões de pessoas do SPC ou Serasa, os serviços de proteção ao crédito. O panfleto é uma prova de que ele não sabe como cumprir a promessa.

Se o apresentador William Bonner tivesse aceitado ler a cartilha no ar, não precisaria mais do que alguns segundos para entender os buracos na proposta de Ciro. As contas são toscas e partem de premissas irrealistas. E o projeto está ancorado em um sistema de garantias que só funciona em pequena escala.

A proposta da renegociação de dívidas apareceu em um debate, sem detalhes. Ciro prometeu entregar o como fazer na sequência, o que se concretizou com a cartilha que é a estrela de seu site de campanha. Ela traz alguns números que o candidato já vinha frisando. Há no Brasil 63 milhões de CPFs no SPC e a dívida média é de R$ 4,2 mil. Até aí, está correto afirmar que temos no país um grupo grande de endividados. O que fazer?

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Para Ciro, a coisa é muito simples. Basta dizer aos credores que eles precisam dar um desconto de 70% nas dívidas porque a maior parte é composta por juros, taxas e afins. Sobram em média R$ 1,4 mil por cabeça. Aí você pega os bancos públicos e parcela o que sobra em 36 vezes. Daria menos de R$ 40 por mês. O pagamento começaria três meses depois da renegociação.

Vejam que a conta foi feita com juro zero. Ou seja, os bancos públicos teriam de topar financiar até 63 milhões de empréstimos com juro zero para receber o principal em 39 meses. E Ciro ainda diz que eles vão ganhar dinheiro na operação. Pelo que está na cartilha, isso só ocorreria por milagre.

Fora o fato de a conta ter sido feita sem juros, Ciro ainda propõe que os bancos façam um novo sistema de garantias para o caso (muitíssimo provável) de haver inadimplência, o chamado aval solidário. Ele funciona da seguinte forma: um pequeno grupo de pessoas (de cinco a dez) toma empréstimos garantidos um pelo outro. Se um não pagar, o resto do grupo banca a inadimplência. Isso é usado por ONGs de microcrédito solidário, em que pessoas de uma comunidade alavancam sua capacidade de tomar crédito de forma coletiva.

Transformar esse sistema de pequena escala (necessariamente, porque as pessoas do grupo precisam se conhecer para saberem a quem estão dando garantias) em um formato para milhões de devedores parece inviável. Imagino centenas de pessoas na fila do SPC formando grupos para chegar à garantia proposta pelo plano de Ciro. E também imagino que a maioria não queira assumir o risco de garantir o empréstimo dos outros.

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Assim, os bancos públicos estariam expostos, pelo que está na proposta, a empréstimos longos, feitos com juros zero e garantias duvidosas. Em um volume extremamente perigoso para o sistema financeiro, já que no limite estaríamos falando de mais de R$ 80 bilhões (63 milhões de CPF e dívida média de R$ 1,4 mil, na conta otimista do candidato). Para dar uma dimensão de quanto representa, a Caixa teve um lucro líquido de R$ 12,5 bilhões no ano passado e mesmo assim precisou pedir um aporte ao governo de R$ 1 bilhão neste ano para cumprir as regras de capital exigidas pelo Banco Central.

Os bancos públicos já foram bastante expostos nos anos recentes a decisões erradas do governo. O Banco do Brasil foi usado como ferramenta para agradar ao agronegócio e quase entrou em um perdão bilionário de dívidas. E a Caixa encara o fardo de levar nas costas programas como o Minha Casa Minha Vida, no qual a inadimplência é elevada.

Para colocar bilhões no programa de Ciro, os bancos só têm dois caminhos: recorrer ao mercado e pagar juros no dinheiro que levantarem, ou pedir para o governo. Na primeira hipótese, não há como bancar juros zero ou mesmo abaixo do praticado pelo mercado sem em algum momento isso se tornar um prejuízo para os bancos. O governo só entra com o dinheiro depois, quando eles precisarem de aporte. No segundo caso, o governo só usa os bancos como instrumento de assistência social, com dinheiro do orçamento.

A questão que fica, no fim, é que o candidato não prova em sua cartilha como fazer o milagre da renegociação sem o governo entrar com dinheiro público, como disse que faria. E a sociedade tem o direito de questionar se esse seria o melhor uso para os impostos, já que a renegociação de dívidas ocorre no mercado sem que haja interferência do governo. O problema de verdade é a falta de emprego da população endividada para fazer essa negociação.

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