A greve dos caminhoneiros extrapolou o aceitável no meio da semana passada, quando submeteu milhões de brasileiros ao desabastecimento que, entre outros efeitos, deixou pessoas sem cirurgias ou atendimento em hospitais, profissionais sem combustível para trabalhar, mercados sem alimentos para vender e matou animais de fome. Mesmo assim, há uma certa condescendência na forma como o movimento é visto, inclusive pelo governo. Impô-se um custo de R$ 13,5 bilhões (fora os prejuízos bilionários) para atender o pleito dos grevistas que tomaram o país como refém.
Há algumas teorias possíveis para explicar como o país caiu nessa síndrome de Estocolomo – a situação em que o refém cria um laço de afeto com seu sequestrador. A primeira é que a impopularidade do governo é tamanha que muita gente aceitaria o desconforto para levar o presidente Michel Temer a uma derrota. Além disso, a alta nos preços dos combustíveis é uma reclamação geral, o que torna a pauta simpática para muita gente.
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Em outra linha, haveria uma solidariedade com as dificuldades de trabalho dos caminhoneiros, sujeitos aos perrengues que todo brasileiro conhece, inclusive os impostos. Em um país onde a corrupção é um problema ainda em tratamento – e com um presidente que caminha para sua terceira denúncia criminal a ser avaliada pelo Congresso -, é fácil entender o clima de indignação.
Essa simpatia, no entanto, não deveria justificar o sacrifício imposto a pessoas que não estão na negociação entre o setor de transportes e o governo. Nem justificaria o lado autoritário da pauta de muitos dos grevistas, que levantam a bandeira da intervenção militar ao mesmo tempo em que pedem mais dinheiro no bolso, custe o que custar.
Sem força, o governo teve de ceder, e até nisso foi atrapalhado. Refez a negociação duas vezes, ao mesmo tempo em que viu fracassar sua tentativa de furar a greve com o uso de forças de segurança. Temer, como já sabíamos desde o início, não é um estadista, mas um sobrevivente da política, que tenta escapar das garras da Justiça com seus ministros palacianos. Não poderíamos esperar dele uma reação à la Margaret Thatcher, a primeira-ministra britânica que encarou uma greve de mineiros que durou quatro meses e atravessou o inverno.
O risco da simpatia pelo sequestrador é que muita gente passe a acreditar que os caminhoneiros representem mais do que são. Eles até podem despertar alguma vontade de protestar contra o governo, ou reunir a energia de quem entende que é preciso mudança na política. Mas sua pauta não é essa e pode ser contada nos centavos do preço do diesel na bomba. Mudar o país exige encarar de frente seus problemas mais profundos, inclusive o estado calamitoso de suas contas públicas que levou Temer a elevar os impostos dos combustíveis no ano passado – decisão da qual ele e seu ex-ministro candidato, Henrique Meirelles, vão se arrepender pelo resto da vida.
Qual a solução que o movimento grevista traz para as contas públicas? Como eles acreditam que o governo deve fazer para lidar com seu déficit primário previsto de R$ 159 bilhões? E quanto ao engessamento do orçamento, consumido quase em sua totalidade por gastos obrigatórios, qual a sugestão dos caminhoneiros? Melhor, como os pré-candidatos à Presidência que apoiam os grevistas vão lidar com essa realidade? Vão subir mais impostos? Cortar quais gastos? E se outras categorias pedirem um desconto igual nos impostos? O país feito refém não discutiu nada disso antes de assinar um cheque bilionário para os caminhoneiros.
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