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O ex-presidente Lula em visita ao Recife. Imagem ilustrativa.| Foto: Ricardo Stuckert/Reprodução/Twitter

Desde que retomou as eleições presidenciais em 1989 o Brasil está indo para a nona disputa. O resultado de cada eleição nesses quase 33 anos nem sempre confirmou – nas ações de governo – o que parecia estar em jogo no confronto político do momento. Vale percorrer por alto as últimas oito eleições presidenciais, relembrando as expectativas principais que cercavam o vitorioso, para refletir sobre essa caixinha de surpresas.

Collor se elegeu em 89 batendo em Sarney, encarnando a esperança no ataque aos privilégios da velha política (marajás) e no combate à corrupção. Teve que renunciar após um escândalo de corrupção – o caso PC Farias, seu assessor que praticava tráfico de influência em nome do presidente.

Por incrível que pareça, o motivo central da renúncia de Collor talvez não tenha sido o maior desencontro de expectativas. Eleito com uma plataforma de modernização contra o velho estatismo, ele veio com um plano de combate à inflação (o grande mal da época) autoritário e dirigista, que incluía confisco de saldos bancários do cidadão.

O suposto choque de capitalismo liberal pariu um plano soviético.

Em 1994 Fernando Henrique Cardoso foi eleito para consolidar o Plano Real, lançado naquele ano. Seu adversário principal era Lula, que tinha perdido no segundo turno para Collor, mas crescera depois do processo de impeachment/renúncia – que desmoralizara o discurso de modernização. A candidatura de FHC era atacada como uma reedição da promessa de modernização de Collor com mais um plano mirabolante que morreria na praia.

Mas dessa vez a expectativa se encontrou com a prática, ao menos no essencial – a consolidação do Plano Real.

Em 1998 FHC foi reeleito prometendo manter a estabilidade econômica e o valor da nova moeda. Descumpriu a promessa em menos de seis meses. A maxidesvalorização do real, forçada pela crise da Rússia e executada de forma atabalhoada, parecia o fim do sonho do controle da inflação. O sonho não acabou, mas o governo FHC precisou afrouxar o controle fiscal e desacelerar as reformas liberais, contrariando as expectativas do eleitorado para o segundo mandato.

Lula foi eleito em 2002 com um discurso dúbio. Por um lado, fez a maior parte da campanha com uma pregação tradicional de progressistas contra neoliberais, procurando desacreditar FHC como se ele fosse um Collor levemente melhorado. Na reta final da campanha, porém, questionado pelo então ministro da Fazenda Pedro Malan sobre suas reais intenções macroeconômicas, Lula comprometeu-se com os fundamentos do Plano Real – e cumpriu, nomeando uma equipe afinada com a de Malan e consolidando a estabilidade monetária.

Na segunda metade do primeiro mandato, a partir do escândalo do Mensalão, Lula passou a abandonar gradualmente os compromissos de gestão fiscal para investir tudo no populismo fisiológico, achando que ou voltava à velha demagogia “esquerdista” ou estava liquidado. Pode-se dizer que chegou a ser um bom governo naquilo que contrariou a velha retórica do candidato e um mau governo naquilo que ressuscitou essa retórica.

Lula foi reeleito em 2006 ainda sangrando com o Mensalão. Derrotou Geraldo Alkmin afirmando que os tucanos representariam a volta da crise econômica – referência à maxidesvalorização de 1999 e a crise de energia de 2001. O então presidente tinha a seu favor bons indicadores socioeconômicos – que se deviam em grande medida à casa arrumada pelo Plano Real e a um período de bonança no cenário externo. Seu governo ajudara a consolidar o Real, mas naturalmente isso não era dito dessa forma.

Os bons resultados socioeconômicos eram associados a uma suposta sensibilidade progressista do governo do PT – não só pelo próprio PT, como por boa parte do eleitorado. Essa mistificação política virou ativo eleitoral decisivo para o partido em três disputas – 2006, 2010 e 2014.

Dilma foi eleita com uma propaganda de gestora e fez o exato oposto, aprofundando o aparelhamento das instituições. Erenice Guerra não era um PC Farias, mas o governo Dilma se pareceu bastante com o governo Collor no desencontro de expectativas – gestão moderna (expectativa) versus fisiologismo arcaico (realidade). Naturalmente o Petrolão transformou o Esquema PC em brincadeira de criança.

Bolsonaro foi eleito em 2018 com a expectativa da retomada da agenda liberal – reiniciada no governo Temer – e do combate à corrupção disseminada pelo PT. A tentativa de levar simbolicamente a Lava Jato para o governo na figura de Sergio Moro naufragou com pouco mais de um ano. Ainda assim foram dois anos e meio sem escândalos de corrupção comprovados.

A retórica contra a “velha política” não se sustentou e alguns representantes da velha política ganharam espaços importantes no governo. Ainda assim foram preservadas escolhas técnicas no primeiro escalão e a agenda liberal de Paulo Guedes foi prestigiada, com alguns enguiços e muitos contratempos, mas também resultados visíveis.

Para 2022, como sempre ocorre, as expectativas gerais sobre a disputa política já se desgarram consideravelmente do que realmente está em jogo. Boa parte do debate se dá sobre riscos de proposição autoritária – que sempre existem, mas precisam ser associados a práticas, não a caricaturas. A lisura da eleição também entrou em pauta com um nível de preocupação que não se viu em disputas anteriores.

De toda forma, o melhor cenário será aquele em que os critérios da sociedade para decidir do que suspeitar e em que confiar sigam a observação dos fatos e não a fábrica de expectativas.

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