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Escultura de George Harrison num prédio de Liverpool, na Inglaterra..
Escultura de George Harrison num prédio de Liverpool, na Inglaterra..| Foto: Bigstock

Confirmado: o século 21 veio demonstrar como a fascinante cultura de massa pode acabar mal. Os parâmetros de sucesso foram parar num ajuntamento de “likes” – que eventualmente reconhecem valores reais, mas frequentemente consagram imposturas. Em 2001 se despediu do mundo um ser especial que sempre desconfiou da cultura de massa (mesmo ela tendo-lhe dado tudo). Há 20 anos morria George Harrison, o beatle retraído, poupado de viver o século que confirmou toda a sua desconfiança.

George estava no centro do primeiro fenômeno, ou pelo menos o mais visível, de conexão mundial pela mídia. A beatlemania saiu da Inglaterra para bater recordes de audiência na TV dos Estados Unidos e se espalhar “em tempo real” pelo planeta como nem o cinema americano tinha chegado perto. Com menos de 25 anos de idade, o garoto pobre e tímido de Liverpool já estava rico – e desconfiado do próprio fenômeno que o enriquecera.

Foi o primeiro (e talvez o único) dos “quatro fabulosos” a querer deixar de ser “fab”, ou pelo menos se libertar do que ele considerava a escravidão da beatlemania. Não renegava as conquistas que o fenômeno lhe trouxera. Também se encantou e se divertiu. Mas nunca deixou de olhar para aquilo tudo de esguelha. Para além dos méritos, havia algo incômodo na forma epidêmica de propagação. O arrastão mecânico da cultura de massa. E Harrison nem conheceu o iPhone.

Morreu no dia 29 de novembro de 2001, de câncer no pulmão. Dois anos antes, já com a doença diagnosticada, foi esfaqueado no peito, em sua casa em Londres, por um invasor também proveniente de Liverpool. A exemplo do que aconteceu com John Lennon, assassinado por um fã, Harrison colhia a parte amarga do legado estelar – a tal máquina de sucesso da qual ele tinha suas desconfianças. “Me ajude a escapar desse zoológico” – cantou George em “Old brown shoe”, uma de suas grandes canções pelos Beatles que não teve a fama merecida.

É uma canção de amor híbrida e enigmática, como era frequentemente o seu autor, na qual ele buscava o amor certo, ressalvando que o certo é apenas metade do que é errado. São as complexidades da vida que a cultura de massa tende a embotar – e tudo o que deu errado nesse século 21 cheio de moralismo e patrulha é parte do que é certo, ou era para ser, no avanço tecnológico que uniu os povos. Uniu desunindo, talvez dissesse George.

Ele foi o primeiro do grupo a dizer que não queria mais dar shows – no auge das turnês que lotavam estádios ao redor do mundo. Não é qualquer um que cogita uma renúncia dessa monta. George Harrison parecia ter uma antena especial para as armadilhas bem apessoadas da humanidade. “O mundo nos usou como desculpa para enlouquecer”, disse ele depois da beatlemania, ao mesmo tempo sério e sorridente, como era sua persona pouco óbvia. Que espaço tem no século 21 um homem pouco óbvio? Nesse mar de cartazes toscos afetando virtudes de fachada?

É bastante significativo que o guitarrista tenha partido em 2001. George Harrison cancelou o século 21.

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