• Carregando...

Era abril de 2020, ainda nos primeiros dias de pandemia, quando Jair Bolsonaro publicou em suas redes sociais um vídeo que mostrava indícios de suposto desabastecimento em curso na Central de Abastecimento de Minas Gerais (Ceasa). Na gravação, um homem mostrava as instalações vazias e responsabilizava governadores por isso. Ao postar o relato em suas redes, o presidente comentou: “São fatos e realidades que devem ser mostradas. Depois da destruição não interessa mostrar culpados”. Tratava-se, como foi evidenciado logo em seguida, de um vídeo falso que foi desmentido pela própria Ceasa. Durante aquela gravação o local se encontrava em limpeza, razão pela qual o galpão não tinha movimento e nem produtos. Diante da farsa, Bolsonaro teve de remover o conteúdo e pedir desculpas, admitido que o relato que compartilhou não condizia com a realidade. Já naquela época, ficava clara sua intenção deliberada de chantagear o país com o medo da desordem de modo a não fazer nada contra a peste que começava a se espalhar.

Passado quase um ano, a postura não mudou. Apesar de, durante essa semana, ter ensaiado uma aproximação com a moderação, principalmente depois do reaparecimento político de Lula, Bolsonaro voltou a bater na tecla do risco de desabastecimento. Ao lado de Paulo Guedes em um evento do Sebrae, conjecturou sobre o colapso da economia e seus efeitos. “O que poderemos ter brevemente?”, questionou, para responder com a descrição de uma verdadeira distopia brasileira: “invasão a supermercado, fogo em ônibus, greves, piquetes, paralizações”.

Assim como em 2020, não há nenhum elemento em 2021 que aponte para o que descreve Bolsonaro. Sua única intenção é gerar instabilidade na sociedade falando de uma tragédia hipotética de modo a desviar a atenção da tragédia real: os dois mil mortos diários que se acumulam nos hospitais lotados.

A pandemia descontrolada vai produzindo recordes atrás de recordes. E na esteira das milhares de vitimas perdidas e dezenas de milhares de contaminados, se esvai a expectativa da retomada do desenvolvimento. As novas medidas restritivas adotadas por governadores e prefeitos não se dão porque eles não gostam da livre iniciativa ou estão unidos em uma conspiração para derrubar o governo, e sim porque a realidade do sistema sanitário se impõe.

Há uma mistificação em curso de que poderiam ser criadas infinitas UTIs para dar conta do fluxo de pacientes em estado grave. Como se esse tipo de investimento fosse simples, como se houvesse recursos humanos para tanto, como se fosse rápido fazer tudo isso em meio surtos e novas ondas.

Nas redes sociais, Bolsonaro aproveita para espalhar confusão ao misturar números de recursos como se fossem repasses extraordinários para Estados e Municípios displicentes. Junta Fundos de Participação dos Estados e Municípios, Royalties e verbas com destinação específica, criando a ideia de que tudo é uma coisa só e tudo seria apenas para a saúde.

A situação atual é resultando de um conjunto de erros brutais cometidos por inúmeros agentes, mas quem poderá negar que foi o governo central quem protagonizou os piores e mais importantes? Afinal, poderíamos estar vacinando desde dezembro não fosse um Ministério da Saúde que resolveu esnobar as ofertas da Pfizer, e que agora se apressa em assinar um acordo como forma de aliviar a pressão pelo seu inequívoco fracasso ao conduzir a campanha de imunização.

Desde fevereiro, Eduardo Pazuello vai reduzindo as projeções de vacinas que serão entregues até o final de março. Em fevereiro eram 46 milhões, no início de março caiu para 38 milhões, no último dia 6 o número era de 30 milhões, no dia 8 afirmou que seriam entre 25 e 28 milhões, e no dia 11 que seriam entre 22 e 25 milhões. A única coisa que fica evidenciada é ausência absoluta de plano, de coordenação e de logística, palavra essa que ficará para sempre desmoralizada pelo bolsonarismo.

Quando tomou posse, Bolsonaro fez uma live em que falava diante de um livro de Winston Churchill. No momento de maior gravidade da história de seu país, o estadista britânico convocou o povo a resistir, por maiores que fossem as agruras. Suas palavras e ações buscavam promover a determinação em nome de um objetivo comum de país. Bolsonaro resolveu ser sua antítese. Ao invés de sangue, suor e lágrimas, tudo o que ele tem a nos oferecer é resignação, indiferença e caos.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]