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Bolsonaro aponta fuzil.
Bolsonaro aponta fuzil.| Foto: Antonio Cruz / Agência Brasil

Nunca antes se falou tanto no Art 142 da Constituição Federal e do emprego dos militares para solução de querelas entre os poderes. Na esteira da crise institucional, ganhou força, na boca dos bolsonaristas, a hipótese de usar o dispositivo como resposta ao que eles entendem ser agressões do STF ao presidente da República. Na rádio Jovem Pan, o general Augusto Heleno, que ocupa o posto de ministro do Gabinete de Segurança Institucional, defendeu a sua possível e até eventual aplicação: “Se ele existe no texto constitucional, é sinal de que ele pode ser usado”, disse em reposta ao jornalista Fábio Zanini, da Folha de São Paulo.

A tese das Forças Armadas como “poder moderador” é aceita e difundida em correntes minoritárias do direito. Seu grande expoente é Ives Gandra Martins, que vem defendendo essa interpretação desde muito antes do atual governo. Em artigo recente para o site Conjur, o jurista voltou ao tema com a pretensão de clarear sua posição que, segundo ele, vem sendo usada por pessoas que a citam “por ‘ouvir dizer’ e sem ‘a ler’ que a fazem com fantástica distorção de meu pensamento”.

Mas será mesmo que está a se tratar de uma leitura imprecisa feita por oportunistas ansiosos por um golpe? Ou as consequências e implicações do que propõe Gandra Martins lhe escampam, fazendo a alegria de quem odeia a democracia e sabe muito bem no que vai dar? Para saber, é necessário submeter sua tese jurídica ao escrutínio.

No artigo intitulado “Minha interpretação do artigo 142 da Constituição Federal”, o jurista tenta oferecer algumas respostas, mas sem muito sucesso. Escreve que “os poderes deixarem de ser harmônicos e independentes e colocarem em risco a democracia com invasões de competência uns dos outros”, e que “para sustar tais invasões um dos poderes atingidos pode solicitar a intervenção apenas para sustar a invasão, e para mais nada”. Ainda que estabeleça um limite para esse tipo de ação, nada ali detalha como se daria tal intervenção pontual. É no terreno dessa vagueza que se encontram os verdadeiros perigos, que podem levar ao arbítrio.

Na última segunda-feira (30) entrevistei Gandra Martins em meu programa “Bastidores do Poder”, na Rádio Bandeirantes. O objetivo da conversa era extrair dele algo mais específico do que o juridiques de uma tese acadêmica. O questionei para apontar como se daria a aplicação do Art 142 em um caso concreto numa situação de impasse entre o STF e as Forças Armadas, como a prisão do Deputado Daniel Silveira. “Os militares fazem a intervenção pontual, mas o Supremo se recusa a obedecer. O que aconteceria nessa situação?”, perguntei. Gandra Martins responde então que “Preso, as Forças Armadas vão onde ele está preso e libera. Ele voltaria para casa. Elas iriam lá libera e, certamente liberariam porque eles são as Forças Armadas”.

A fala não dá margem para interpretação distinta. A vontade imposta seria a de quem está armado, sendo o último grau recursal do país a alça de um fuzil. A Constituição passaria a ser interpretada não mais pelos tribunais, mas pelos quartéis. Uma tutela militar inédita entre as democracias ocidentais. Os capitães e tenentes passariam a comandar presidentes de poderes por ordem de uma junta de fardados que seria muito ciosa de seus compromissos com a legalidade.

Ocorre que as leis complementares e decretos que regulamentam o Art 142 da CF não tratam disso. É só ler o que está disposto na lei 97/99. O sentido dado é distinto: as Forças Armadas garantem os poderes em caso de distúrbios sociais e de segurança, não serve como moderadora de conflitos entre os três. A tese de Gandra Martins não tem base na lei. É um devaneio perigoso que, uma vez concretizado, representaria a institucionalização da militarização e do regime da força.

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