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Mauro Cid
| Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

O avião presidencial que decolou no dia 30 de janeiro de 2022 rumo aos Estados Unidos carregava não apenas um presidente se evadindo do país na véspera do encerramento de seu mandato, mas também um conjunto de bens dados de presente ao Estado brasileiro que seriam ilegalmente negociados para o benefício particular do agora ex-presidente. A investigação levada a cabo pela Polícia Federal e desdobrada hoje na operação Lucas 12.2 (referência ao versículo bíblico) escancara um esquema no qual diamantes, joias e outros itens luxuosos eram vendidos em lojas especializadas no exterior e convertidos em dinheiro vivo, numa tentativa de burlar os sistemas bancários e de fiscalização. Bolsonaro seria o beneficiário dos montantes obtidos.

O modus operandi da ação, entretanto. não tinha nada de sofisticado. O despacho de Alexandre de Moraes, que inclui a apuração feita pelas autoridades investigadoras, tem fartura de materialidade, inclusive com provas e evidências que denotam o primarismo dos envolvidos e como estes operavam como verdadeiros bucaneiros atrapalhados.

Um dos alvos da PF, o general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, pai de Mauro Cid e ex-colega de Jair Bolsonaro no curso de formação de oficiais do Exército, aparece numa foto que ele mesmo tirou de uma caixa envidraçada que seria comercializada e que estava sob sua posse. Essa caixa servia para guardar um objeto de ouro em formato de árvore, que também aparece fotografado pelo militar. Na imagem, que ele compartilhou com o filho via aplicativo de mensagens, aparece seu reflexo. Por descuido, ele mesmo forneceu a prova mais contundente de sua participação.

O item desviado, assim como outros que foram levados aos Estados Unidos, jamais foi registrado nos acervos públicos. A identificação ocorreu a partir de pesquisas em fontes abertas. Segundo o despacho, “a entrega da referida árvore ocorreu em 16/11/2021 no Encerramento do Seminário Empresarial da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira na cidade de Manama, no Reino do Bahrein. Ela só veio a aparecer de novo nos registros feitos pelo próprio general Cid.

Com base no diálogo de pai e filho, a investigação apontou que o objeto seria avaliado para venda numa loja localizada no endereço 1754 NE 163RD STREET North Miami Beach, FL 33162. No despacho, Moraes aponta que “os endereços enviados por MAURO CID ao seu pai, possivelmente estão relacionados a duas lojas que, aparentemente, comercializam produtos com ouro ou outros metais preciosos (Gold Grillz Miami e We Buy Gold North Miami Beach)”, anexando na sequência o local em que se situavam no mapa e as imagens de suas fachadas.

Da mesma forma, outros conjuntos de joias tiveram o mesmo procedimento de negociação ilícita. Um deles chamado de “kit ouro rose”, composto por caneta, anel, abotoaduras, rosário árabe e relógio da marca Chopard, e outro chamado de “kit ouro branco”, este com anel, abotoaduras, rosário islâmico e um relógio da marca Rolex.

Segue trecho da conclusão da Polícia Federal: “Elementos colhidos ratificam a hipótese criminal enunciada, demonstrando que, assim como aconteceu com o denominado KIT ROSE, os bens que integravam o “KIT OURO BRANCO”, após serem ilegalmente desviados para o acervo privado do ex-Presidente da República JAIR BOLSONARO, foram evadidos do Brasil, por meio de aeronave da Força Aérea Brasileira, quando da viagem da comitiva presidencial para os Estados Unidos da América, em junho de 2022. Em solo americano, o então chefe da Ajudância de Ordens da Presidência da República, MAURO CESAR CID, no dia 13/06/2023, viajou para a cidade de Willow Grove, no estado Pensilvânia/EUA, e se deslocou até a sede da loja PRECISION WATCHES, concretizando a venda do relógio ROLEX DAYDATE, juntamente com outro relógio da marca PATEK PHILIPPE, pelo montante de US$ 68.000,00, que foi depositado na conta bancária de MAURO CESAR LOURENA CID, pai de MAURO CESAR BARBOSA CID. Em seguida, MAURO CID retornou para a cidade de Miami e, possivelmente, vendeu (ou expos à venda) o restante dos itens do “KIT OURO BRANCO” em uma loja situada no complexo Seybold Jewelry Building”.

Foi só depois da divulgação do noticiário sobre as joias árabes, quando o Tribunal de Contas da União determinou a devolução dos bens para o patrimônio público do Estado brasileiro, é que os envolvidos montaram uma operação desesperada para reavê-los. Segundo a investigação, o Rolex vendido nos Estados Unidos foi comprado de volta por Frederick Wassef , advogado de Bolsonaro.

Ainda em maio quando da prisão de Mauro Cid por sua participação na fraude ao sistema de registro de vacinação do Ministério da Saúde, escrevi nesta coluna que “outras revelações devem surgir nas próximas semanas, à medida em que as autoridades tiverem acesso a todo o conteúdo constante no celular apreendido do tenente-coronel”. Elas estão aí.

A investigação da PF escancarou um esquema de peculato envolvendo o possível enriquecimento ilícito do ex-presidente na base da pilhagem de joias no qual militares da ativa e da reserva se prestaram ao papel de agenciadores, e aeronaves oficiais do governo foram convertidas em veículos para o transporte e desvio de muambas de luxo. Uma trambicagem que, em que pese os bens de altíssimo valor, também revela o nível rasteiro de fuleiragem de seus envolvidos.

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