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Nazismo e liberdade de expressão
Nazismo e liberdade de expressão: criminosos autorizados a participar do debate público são ameaças reais à segurança de toda a sociedade.| Foto: Reprodução Youtube

É claro que o youtuber Monark não leu nada escrito por Karl Popper, assim como provavelmente não leu nada de nada. Em sua obra mais importante “A sociedade aberta e seus inimigos”, o filósofo liberal formulou o que veio a ser chamado de “paradoxo da tolerância”. Para Popper, “a tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância”. Alertava para o risco de um regime de liberdades tão abrangentes que comportasse até mesmo os inimigos dessas liberdades. Para ele, “se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles”.

EDITORIAL: Os limites da liberdade de expressão e a histeria canceladora

Os defensores da liberdade de expressão irrestrita argumentam que ideias torpes, discriminatórias e antidemocráticas devem ser vencidas pela exposição, não pela sua proibição. Dando luz a essas ideias, seria mais fácil que fossem rejeitadas. É uma pressuposição ingênua, para dizer o mínimo. A experiência histórica prova que ideários totalitários podem se sobrepor ao ideário democrático com extrema facilidade e frequentemente. Estaria a se assumir o risco que, na exposição livre de todas as ideias, as piores acabassem prevalecendo, e isso representaria o fim na existência da sociedade livre.

É bom lembrar que o nazismo não se consolidou pela força das armas. Seu processo de ascensão na Alemanha se deu sob a via do voto. Adolf Hitler e seus partidários disputaram e venceram eleições na época em que vigia a República de Weimar. O sistema democrático de então foi usado de modo a encubar um grupo de facínoras que não tinham compromisso com sua existência. Uma vez no poder, botaram fim aos direitos alheios, perseguiram minorias e opositores, colocaram os demais partidos na ilegalidade, foram à guerra, construíram câmaras de gás e mataram milhões.

É difícil imaginar que, postos na legalidade, nazistas e outros tipos de criminosos ficariam a confabular suas teses de segregação apenas no campo da abstração. Aceitariam propagandear o ódio aos judeus sem jamais colá-lo em prática? Quem acredita nisso ignora o poder da propaganda extremista, e o papel que ela exerce na prática da violência.

No livro “Purificar e destruir”, um denso ensaio sobre como ocorrem genocídios, o pesquisador francês Jacques Sémelin aponta que “uma das características da propaganda é a criação de um clima pernicioso, fornecendo o tom da violência, com o uso de slogans e imagens”. Seria uma espécie de chancela: “Ela diz, publicamente, que a violência é possível, para não dizer autorizada, contra os inimigos internos”, completa. É exatamente por isso que o holocausto não começou no primeiro fuzilamento, ou na primeira leva de envenenados com zyclon B. Ele já estava em curso quando, anos de 1920 e 1930, panfletos antissemitas desumanizavam judeus, atribuindo a eles todos os males do mundo e a culpa pelo infortúnio da Alemanha. O que publicações como o Der Stûmer faziam, à título de “liberdade de expressão, era abastecer a máquina de ódio que resultou em assassinatos em massa e crimes contra a humanidade.

Propor a eliminação de um segmento social, uma religião ou etnia é apenas um crime. E criminosos autorizados a participar do debate público são ameaças reais à segurança de toda a sociedade. Alguns de nossos liberais, ainda que honestos na defesa de seus idealismos, ainda não compreenderam o básico: que não há “debate de ideias” com quem pretende exterminá-lo.

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