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O bolsonarismo é movido a apitos de cachorro. Em sua coluna na Folha de São Paulo, Joel Pinheiro da Fonseca descreveu muito bem como funciona o método: “Doutrine a cabeça de seguidores com teorias da conspiração, paranoia e maniqueísmo político. Eleja alguns adversários como alvos preferenciais do ódio. Conclame a uma atitude genérica de resistência, revolta, a alguma “ação” não especificada para levar à vitória; deixe tudo no ar. Boa parte do público alvo entenderá a mensagem. Uma minoria de desequilibrados irá colocá-la em prática. É só aguardar.”

Vimos como isso funciona na prática no fim de março na Bahia. Em um aparente surto, o soldado Wesley Soares saiu a contra colegas de farda alegando defender “a dignidade e honra do trabalhador”. Ainda que não se saiba ao certo o que o motivou, o fato é que vocalizou o discurso corrente que emana das redes governistas. Em seu perfil no Facebook, o policial militar curtia as páginas de Carla Zambelli, Eduardo Bolsonaro e Jair Bolsonaro. É óbvio que isso é insuficiente para provar uma ligação política objetiva, mas dá para ter ideia do tipo de conteúdo que costumava consumir. Some isso a uma condição mental perturbada e teremos a toxidade adequada para gerar uma violência como essa.

Ato contínuo ao protesto com tiros, líderes do bolsonarismo se apressaram em transformar o policial militar em mártir da causa contra o distanciamento social. Ele, afinal, representava a insurgência contra as restrições estabelecidas por governadores e prefeitos. A deputada Bia Kicis, que preside nada menos que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, deu publicidade ao ato criminoso afirmando que Wesley Soares fora abatido “porque se recusou a prender trabalhadores”. Por sua vez, o deputado José Medeiros, vice-líder do governo na Câmara, escreveu em seu Twitter que o soldado “pagou com a vida” por “dar o brado preso na garganta dos trabalhadores brasileiros”.

Houve até o ensaio de uma greve, com agitadores profissionais insuflando a paralização da Polícia Militar na Bahia. O recuo na ação insurgente só se deu pela descoberta de que foi Wesley quem abriu fogo contra os outros policiais que negociavam com ele, sendo alvejado em resposta. A coisa minguou e os deputados que o celebravam como herói apagaram suas postagens. Ao fim ficou apenas seu cadáver estendido na rua e a politização asquerosa de uma tragédia pessoal.

O episódio é ilustrativo do tipo de situação que o presidente e seu séquito radical desejam que ocorra para que possam se mover contra a ordem institucional estabelecida. Até aqui eles só possuem a disposição, mas não o contexto adequado para tanto.

Nessa semana, diante de apoiadores, Bolsonaro voltou a falar que aguarda uma “sinalização do povo” para tomar providências. Disse que o Brasil está “no limite” e na iminência de “um problema sério”. Comparou o país a um “barril de pólvora”. O falatório genérico tem método. Que sinalização seria essa? Mais um apito de cachorro na esperança de que algum celerado entenda o apelo e bote a mão na massa.

Nosso ambiente é exatamente o oposto. A sociedade não está conflagrada. Não há instabilidade social que justifique qualquer eventual ação de Bolsonaro. O que há, isso sim, é um clima de resignação da população, que enfrenta a pandemia com galhardia aguardando a solução que é atrasada pelo seu governo catastrófico. A ideia do Brasil como “barril de pólvora” prestes a explodir é só o delírio de um autoritário frustrado.

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