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No último texto, manifestei preocupação com o triunfalismo autoritário de parte dos eleitores e muitos dos entusiastas de Jair Bolsonaro, que têm ironizado toda e qualquer crítica ao, digamos, espírito do tempo. Para uns e outros está tudo bem, obrigado, não há motivo para reclamar.

Antes de mais, um registro: não tenho o hábito de pregar à toa, em políticos e intelectuais, rótulos que exigem precisão conceitual ou histórica. Logo, para mim, nem todo político tosco é fascista; nem todo picareta é comunista.

Dito isso, certa disposição iliberal e antidemocrática pode se revelar, e muitas vezes se revela, em políticos e confrarias de vários matizes, fauna e flora variada, até mesmo naqueles tidos por liberais e democráticos. O poder corrompe, o poder absoluto vocês já sabem no que vai dar.

Quando se trata das últimas eleições, o contexto ajuda a explicar o texto. Já nos primeiros dias da corrida maluca, desde a pré-candidatura, apontei que Jair Bolsonaro não era exemplo de liberal (nunca foi) nem modelo de conservador (idem).

Ainda assim, eleitoralmente deu certo.

Ocorre que o então candidato, hoje presidente, sabia mais destruir que construir. Ele crescia na medida em que o PT diminuía; fez do discurso petista seu contradiscurso; tomou o petismo como ponto de referência do antipetismo. Nenhuma objeção aqui.

O problema é que esse triunfo retórico, somado ao sentimento de repulsa a tudo o que o PT representou, subiu à cabeça do presidente e de todos à sua volta, e em especial de quem, por exigência profissional e retidão de caráter, deveria tomar um pouco mais de cuidado com o urro da arquibancada e a cachaça da multidão.

Ora, nada mais natural que, para quem defenda o governo, a paisagem da janela pareça bem mais amistosa e alegrinha do que é. Elogiar é simpático; hoje em dia, então, vira capital social e moeda de troca. É como assistir ao Corinthians e Palmeiras em Itaquera, 40 mil furiosos, e gritar, destemido: “Vai, Corinthians!” Ficará tudo muito bem.

Experimente fazer o contrário.

Só quem se arrisca a criticar o governo ou alguns de seus aspectos compreende a desproporção violenta das reações, como se se tratasse de crime de lesa-pátria ou profanação a sentimento religioso. Quem se ocupa de reverberar o discurso majoritário recebe, e sempre receberá, aplausos do distinto público. Isso vale para qualquer governo ou governante, em qualquer época ou lugar.

A verdade é que rir-se de agressões, fazer pouco de demissões e afastamentos, gozar das ameaças – tudo isso é próprio de quem está deitado na espreguiçadeira da indignação barata, chutando cachorro morto para provar que cachorro que ladra não morde, confortável na posição de bajulador-geral da República, disposto a provocar o colega somente quando o irmão mais forte vem logo atrás.

No caso, 57 milhões de irmãos.

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