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O humorista Ricky Gervais.
O humorista Ricky Gervais.| Foto: NBC/Divulgação

Ricky Gervais causou frisson na premiação do Globo de Ouro. Assisti ao discurso e gostei, mas não é para tanto. Costinha faria melhor. A repercussão (negativa, positiva, a depender de quem vestiu ou deixou de vestir a carapuça) excedeu um pouquinho. Estamos ficando mal-acostumados.

Entre os que acusaram o golpe, diz-se que o britânico foi agressivo além da conta; outros garantem que foi pouco agressivo. Deixo que a audiência se preocupe com o placar e considero o seguinte: justa ou não, a espicaçada devia nos lembrar de certas coisas fundamentais que andam esquecidas.

Em tempos de sensibilidades tão crispadas e de puritanismos tão estritos, entre guelfos e os gibelinos, tem seu valor que Ricky Gervais deboche da pose, das caras, das bocas e do que rotineiramente sai das bocas holiudianas. Agita as águas do moralismo prêt-à-porter. Quando ele disse que ninguém ali tinha moral para dar lições de moral a ninguém, me lembrei logo de José Guilherme Merquior dizendo, noutros carnavais, que Caetano Veloso era subintelectual de miolo mole.

Injustiça com Caetano, que é grande artista e mais intelectual do que muito intelectual de fardão por aí, mas o fato é que, tanto lá quanto cá, antes como agora, a opinião pública é muitas vezes colonizada por inteligências alienígenas que são mais alienígenas que inteligências. Não que artista – seja cantor, ator, pintor, advogado do Lula, intérprete do Carlos Bolsonaro – não possa dar opiniões. Pode e deve. Mas valem o quanto valerem, e não porque foram assinadas por quem porventura as assine.

Por outro lado, o escândalo com as piadas do criador de The Office e Derek deveria servir de alerta àqueles que se esbaldaram com a vergonha alheia. Ora, a piada que bate em Chico, bate em Francisco. Não foi a direita que se escandalizou com o especial do Porta dos Fundos, a ponto de relativizar com matreiras adversativas o atentado à sede do grupo carioca ou justificar a censura? Foi. Gervais é ateu convicto e faz piadas com religião. Das boas.

Esta semana, a propósito, lamenta-se o aniversário de cinco anos do atentado ao satírico Charlie Hebdo, provocado por dois muçulmanos que se sentiram ofendidos (novidade) com o excesso de liberdade de expressão do semanário francês. A indignação resultou na revolta que resultou no assassinato dos chargistas Cabu, Charb, Honoré, Tignous e Wolinski, do revisor Mustapha Ourrad, da psicanalista Elsa Cayat, do economista Bernard Maris, dos policiais Franck Brinsolaro e Ahmed Merabet, do visitante Michel Renaud e do funcionário Frédéric Boisseau.

Num mundo cada vez menos tolerante às diferenças e às divergências, num mundo, enfim, cada vez mais sem graça e sem Graça, quem ri por último não ri melhor. Morre.

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