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Dia dos Mortos (México)
Dia dos Mortos (México)| Foto:

Nos últimos anos, os roteiristas de filmes e seriados catastróficos se desinteressaram das bombas atômicas, deixaram os cometas passar ao largo e deram merecido descanso às bestas, aos russos e aos alienígenas. Voltaram a atenção criativa às pandemias de proporções bíblicas, origem desconhecida, que têm dado mais audiência.

A trama é a seguinte: uma peste qualquer assola o país, adoece as gentes, transforma o homem cotidiano num zumbi esfomeado, transforma o zumbi esfomeado num homem cotidiano e, em questão de semanas, quiçá de meses, o mundo todo jaz abandonado, sucateado, roubado, enlameado, empobrecido, sem água potável, sinal de celular nem entrega regular dos Correios. Mais ou menos como o Brasil.

Então um pai de família, quase sempre divorciado, devedor de alimentos, frustrado na carreira, decepcionado com o time, alcoólatra e pouco amigo do banho sai à procura dos seus, encontra-os desgraçadamente saudáveis para que juntos, reconciliados, cheguem a um lugarejo qualquer, cheio de pessoas esquisitas, felizes de um jeito esquisito, com trejeitos de eleitores do PSOL. Fosse eu, voltava aos zombies.

Crítica de cinema muito à parte, a verdade é que estamos um bocadinho próximos desse cenário.

Já são mais de 100 mil casos registrados, outros milhares de suspeitos. Pelo menos 4 mil mortes confirmadas, e contando, além daquelas que certos governos, não muito amigos da ciência e da informação, podem ter ocultado.

Pois eu não dava a mínima até que os campeonatos de futebol começaram a sofrer o revés. Daí o resfriado virou pneumonia. Torneios suspensos, partidas canceladas ou a portões fechados. Se afetou o futebol, acredito no ineditismo da moléstia. Mas nem só de futebol vive e morre o homem.

O efeito colateral do vírus, para além das insuficiências respiratórias, da debilidade física e do atestado de óbito, afeta os mercados financeiros, as transações comerciais, os potentados, as premiações, o preço das commodities, a bolsa de valores, o machismo, o feminismo, a direita, a esquerda, o mundo do trabalho, a falta de trabalho, os tráfegos aéreo e terrestre, as manifestações contra e favor dos governos.

Quem se aglomerava nas ruas, nos shoppings, nos ginásios, nas rodoviárias, nas igrejas, já não se aglomera. Pensa-se duas vezes antes de cruzar a soleira da porta. Governos pedem que nos aquietemos. Eu acho muito bem. Empresas recomendam que trabalhemos em domicílio. Eu acho muito bom.

Se por acaso sobrevivermos a esse novo apocalipse, poderíamos aprender algumas importantes lições.

Não precisamos sair tanto de casa. Que nos acostumemos a ficar, a estar, a permanecer. Podemos trabalhar de pijama, horizontalmente, sem os estacionamentos, os colegas aborrecidos, o chefe dependurado nos ombros, as reuniões de escritório que nunca serviram para nada além de espalhar epidemias e fake news.

Para que havemos de nos reunir tanto, e tantas vezes, se é tão mais gostoso estar a sós, ou com uns poucos amigos em volta, ou de preferência os bichos, vivendo a vida com menos urgências e multidões? Para que ir à praia, nos finais de semana, se nada temos de novo por lá? Para que emitir tanta fumaça, tanto barulho, tanto detrito, tanta opinião?

Seria conveniente admitir, de uma vez por todas, que somos frágeis, descartáveis, fátuos, feios, chatos, demasiados, feitos de pó, destinados ao pó. Não resistimos a um espirro, e isso já é quase literal. Bastam uma gripe, uns chineses, uns beijos e uns apertos de mão para que tudo venha abaixo sem demora: os mercados financeiros, as transações comerciais, os potentados, as premiações, o preço das commodities, a bolsa de valores, o machismo, o feminismo, a esquerda, a direita, o mundo do trabalho, a falta de trabalho, as competições esportivas, os tráfegos aéreo e terrestre, as manifestações contra e favor dos governos.

Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.

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