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Anitta (reprodução do YouTube)
Anitta (reprodução do YouTube)| Foto:

 

A cantora Anitta foi escolhida “Mulher do Ano” pela revista GQ Brasil. Seus fãs gostaram e seus detratores detestaram. Dentre os que a detestam com fidelidade, um subgrupo chamou a atenção: aqueles que defendiam premiação póstuma à professora Heley de Abreu Silva Batista, 43, de Janaúba, MG, morta depois de salvar várias crianças do ataque de um pirotécnico assassino que não se chamava Zacarias.

A indignação parece óbvia e cheia de razão: uma mulher anônima, de heroísmo que pouca gente seria capaz de garantir, merece muito mais este e todos os outros prêmios que Anitta, cantora e dançarina pop, sem maiores méritos que seus atributos físicos e, vá lá, artísticos. Essa inversão de valores denuncia o lodo moral no qual escorrega o país, não é mesmo?

Pois não é mesmo. Confundir os méritos com os deméritos, os alhos com os bugalhos, misturá-los e exigir para uma prêmio que é mais apropriado para a outra, isso sim me parece algo indecente. A revista em questão, de variedades dedicadas aos homens – por “variedades” entenda-se: mulheres, roupas, carros –, não só não precisaria conceder o prêmio à professora, como fazê-lo é que seria inapropriado.

Dar ao martírio de Heley Batista o tipo de prêmio que ora se concede à Anitta soaria ridículo e farisaico. A propósito, premiações são, quase sempre, enganações: nem o mérito é premiado de fato; nem o demérito é apontado a sério. Muito Nobel de literatura há que não faz, nunca fez, literatura que prestasse. Muito Nobel da paz há que não pacificou nem a própria aldeia. Mas o mundo cultural e político precisa de mise-en-scène; façamos mise-en-scène.

A santidade, que pode perfeitamente ser o caso da professora, prescinde do reconhecimento público, do popularesco, da pirotecnia. Nada tenho contra a revista em questão, nada tenho contra Anitta, mas a melhor maneira de homenagear a professora morta é lembrar com assombro de seu martírio e rezar com zelo por sua alma. Exigir que uma revista de variedades reconheça o que, por definição, não é vário, mas sumamente singular, só faz sentido para quem não reconhece nem uma coisa nem outra a dois palmos morais de distância.

Para Anitta o que é de Anitta.

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