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Cena do filme "Paulo, Apóstolo de Cristo", de Andrew Hyatt
Cena do filme "Paulo, Apóstolo de Cristo", de Andrew Hyatt| Foto:

Interpelou-me um amigo, com os olhos vidrados de fanatismo: “Vota Bolsonaro, não vota?” Estiquei o silêncio o quanto pude só por ter o gênio ruim. Ele chacoalhou como um teco-teco a levantar voo, e perguntou quase afirmando: “Então vota no PT?! Vota no PT?!” Não, não voto. Aliás, nunca votei. Curiosamente, esse recém convertido ao antipetismo votou uma, duas, três, quatro, cinco vezes. Votou no PT quando Lula parecia gente. Votou no PT quando Lula venceu. Votou de novo quando já era corrupto indiscutível. Votou em Dilma e, acreditem!, votou novamente em Dilma. Esse amigo já votava no PT seis meses antes da criação do mundo.

Pois agora ele não aceita o PT, ele não acredita em Lula, ele abjurou da fé. Nasceu de novo. Perseguia antipetistas como Paulo perseguia cristãos, até encontrar o Messias na estrada de Damasco da política mais ordinária. Com o puritanismo de quem pecou demais e não admite vestígio de pecado alheio, com o entusiasmo homicida do neófito, ele quer agarrar o interlocutor pela goela e lhe enfiar antipetismo pela boca, a colheradas. Ele, que contribuiu com todas as vitórias petistas, virou um Jeremias do antipetismo. Como hoje o adversário do PT é o candidato do PSL, então o voto no Bolsonaro é urgente e inescapável. Qualquer outra atitude lhe parece ofensa à família, à pátria, ao Espírito Santo.

Se tudo isso estivesse acontecendo somente agora, às vésperas do segundo turno, eu compreenderia. Há dois candidatos, dois projetos, duas expectativas. Mas houve primeiro turno, outros candidatos, outros projetos, outras expectativas: todos ignorados, todos desdenhados. Ninguém quis saber de nada que não fosse Jair Bolsonaro. A superstição do voto útil viciou o debate, contaminou as campanhas, impediu que se discutissem alternativas, tornou inúteis todos os votos.

Para o momento não sobrou muita coisa. Quem não quer o PT, em tese, tem de querer o adversário do PT. É fazer o sinal da Cruz e seguir adiante. Contra o PT tem de valer tudo, mesmo vindo de gente que na eleição passada ainda votava no PT. Os céticos, os melancólicos, os casmurros não podem ter vez nem voz. O problema é que os eleitores de Bolsonaro – talvez inspirados pelo próprio – não entendem que estão perdendo uma grande oportunidade de provar que seu candidato não é o bicho-papão que muitos dizem ser.

A correta forma de convencimento é a persuasão; outra ainda melhor: o exemplo. Em política é assim, em religião é assim. O prosélito tem de converter o incréu por meio da palavra, do bom exemplo, das obras santas. Torturas não convencem ninguém, medo não convence ninguém. No caso da política não é diferente. Bolsonaro tem fama de autoritário, não tem? A melhor maneira de desmentir a má fama é ser persuasivo e generoso. Se ele, ou se seus militantes, esbravejam contra indecisos e recalcitrantes; se ele, ou seus militantes, esbanjam autoritarismo nos modos e no discurso, não podem reclamar depois. Não basta ser democrata; tem de parecer democrata.

Confesso que desejo mais a derrota do PT que propriamente a vitória de Bolsonaro, e por isso me dou o direito de torcer para que o PT perca sem necessariamente acreditar noutro governo. Sou homem de pouca fé, reconheço. Mas ao vencedor, o governo. Aceito-o. Contudo, ainda que despreze o PT, não confio em Bolsonaro. Que ele ganhe, como ganhará, sem mim. Que seus fiéis – crentes que até há pouco criam em outros deuses – dobrem os joelhos como gostam de fazer, e como fazem com tanta pressa, e deem testemunho de milagres e martírios. Perca, PT! Vença, Bolsonaro! Como um Tomé, tendo à descrença. Como um Pedro, nego três vezes. Não fui tocado pela graça e sofro de acídia política há muito tempo. Preciso – e prefiro – ver para crer.

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