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Lenio Streck
Lenio Streck| Foto:

por Gilberto Morbach

Também a recomendação de hoje é, igualmente, uma espécie de pequena homenagem. Por duas razões: primeiro, porque o ano de 2019 marca o aniversário de 20 anos da obra; segundo, porque a obra, em grande medida, inaugura os mais importantes alicerces para a construção, e a compreensão, de uma matriz teórica brasileira. Falo de Hermenêutica Jurídica e(m) Crise, de Lenio Streck.

Adotar um marco temporal como ponto de partida para a recomendação de um livro de Streck — sobretudo este de que trato aqui hoje — é, devo dizer, de feliz coincidência. Por quê? Basta ver o subtítulo da obra, por meio do qual o autor adianta e sintetiza exatamente aquele que é, sempre foi, o propósito básico subjacente à sua proposta teorético-filosófica: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. A Crítica Hermenêutica de Streck é hermenêutica porque busca não um conceito de direito abstrato, mas uma compreensão do direito em seu tempo.

O fenômeno jurídico é um fenômeno que, sempre inserido em e a partir de uma dada facticidade, filtra e institucionaliza os princípios de moralidade política da tradição (autêntica) de que faz parte. Ao fazê-lo, inaugura sua própria tradição e institui os critérios institucionais próprios que fazem com que o direito seja efetivamente o que é (e o que deve ser). Em se tratando de um fenômeno interpretativo, hermenêutico por excelência, não cabe ao teórico do direito o papel de um observador externo, ou a tarefa de uma análise (pretensamente) neutra e (puramente) analítica. Fato e valor são entrelaçados; ao filósofo, cabe dizer como o direito deve ser em respeito àquilo que ele já é, obedecendo aos critérios de moralidade política institucionalizados pelo próprio direito. O teórico deve dizer como deve ser o direito à luz dos critérios da própria tradição do fenômeno.

O leitor que acompanhou as recomendações até aqui vai perceber que há, nessa definição, uma aproximação com Dworkin. Não está errado; ao contrário. A Crítica Hermenêutica do Direito, partindo da filosofia hermenêutica e da hermenêutica filosófica, faz uma releitura de vários elementos da obra de Dworkin para reaproveita-los dentro de nosso contexto próprio: uma ordem legal inserida no direito brasileiro, um direito tão carente de propostas epistemológicas claras e de uma sólida teoria da decisão judicial.

Em Hermenêutica, Lenio Streck — e, para que não digam que sou suspeito, recorro aqui a ninguém menos que Ernildo Stein — “inaugura um universo teórico que certamente nos traz novos parâmetros para o exame da crise do direito e sua superação”. Trata-se, portanto, de um livro que “revoluciona a própria concepção do direito positivo atual e da história do direito”, com “uma visão das questões concretas de direito e sua aplicação no conflituado terreno entre o social e o jurídico”; uma obra que oferece “uma análise crítica das teorias jurídicas principais que foram produzidas durante séculos” e também “os contornos de uma matriz teórica que permita situar todo o debate em torno da crise do direito, no contexto de um novo paradigma”.

Parafraseando Eliot, meu fim está no começo. Finalizo com a epígrafe da obra, porque penso que ela diz muito que hoje recomendo: “Quando as águas da enchente derrubam as casas, e o rio transborda arrasando tudo” — diz Eraclio Zepeda — “quer dizer que há muitos dias começou a chover na serra, ainda que não nos déssemos conta”. Se o direito brasileiro parece arrasado, e a tempestade ainda não acabou, dar-se conta é a tarefa primeira de quem busca respostas (e perguntas sobre as respostas). Para tanto, Hermenêutica Jurídica e(m) Crise é uma obra fundamental.

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