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Actual Oscar statuettes to be presented during the 79th Annual Academy Awards sit in a display case in Hollywood February 21, 2007. The Oscars will be presented on February 25.   REUTERS/Gary Hershorn   (UNITED STATES)
Actual Oscar statuettes to be presented during the 79th Annual Academy Awards sit in a display case in Hollywood February 21, 2007. The Oscars will be presented on February 25. REUTERS/Gary Hershorn (UNITED STATES)| Foto:

E o Oscar de melhor filme (e melhor diretor, ator, atriz, respectivos coadjuvantes, roteiro original) vai para… Donald Trump! Sim, ele mesmo, em carne e topete. Para o bem e para o mal, quem vai decidir vencedores e perdedores desta vez será o presidente americano. Spoilers a seguir.

Gosto de filmes e gosto de ler sobre filmes; tenho notado um argumento recorrente e, sinto dizer, preguiçoso: quase todos os filmes, de uma maneira ou de outra, têm a ver com “a América de Trump”.

Três Anúncios Para Um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri) é o retrato da América de Trump: num lugar no meio do nada, cheio de gente branca e ignorante, certa mulher procura justiça para o assassinato de sua filha. O delegado, cheio de boas intenções, também é branco e ignorante. As coisas não vão bem.

Eu, Tonya (I, Tonya) conta a história da patinadora branca e ignorante, cuja mãe é branca e ignorante, que agrediu sua rival na patinação para fazer valer seus direitos de gente branca e ignorante.

Corra! (Get Out) é uma espécie de terror esquisito, meio engraçado, que mostra o preconceito ainda muito latente entre a elite branca e ignorante, nos EUA. Elite branca e ignorante da América de Trump.

Lady Bird – A Hora de Voar (Lady Bird) é aquela historinha de que americanos gostam tanto: adolescentes e seus problemas para virar adultos. Aqui, adolescente faz SENAI ou entra na vida do crime. Lady Bird deixa de ser adolescente em casa para continuar sendo adolescente na universidade. Seus conflitos, suas dúvidas, sua dificuldade de aceitação, seu egocentrismo: tudo consiste em fazer o espectador acreditar que ser diferente, irresponsável e vagamente idiota é bonito, e o resto é coisa de brancos e ignorantes (eleitores de Trump).

Trama Fantasma (Phantom Theread), infelizmente último filme do magnífico Daniel Day-Lewis, não parece ter nada a dizer sobre a América de Trump. Mas, vai saber!, decerto Day-Lewis decidiu se aposentar por causa dele.

A Forma da Água (The Shape of Water): tem monstro no filme, mas o monstro em questão não é o Donald Trump, que conveniente.  O monstro é bonzinho, diferentão, mais ou menos como a Lady Bird. Ele namora a moça, que é muda, diferentona, uma Lady Bird muda. Em suma: aquele enredo “a bela e a fera” de que o Del Toro não se cansa. Mas filme que tem nazista tem de ter Trump, o monstro de verdade aqui.

Dunkirk é filme de guerra e Donald Trump gosta de guerra.

O Destino de uma Nação (Darkest Hour): ver acima.

Vocês entenderam o ponto.

Não sei se todos os diretores e roteiristas de fato se preocuparam em retratar “a América de Trump”, ou se isso é projeção de quem vê filmes e os comenta. Mas que as coisas são mais complexas que isso, são.

Dos dezessete candidatos republicanos no início da corrida presidencial, Donald Trump era o pior. Havia conservadores e liberais mais sensatos, mais preparados, mais inteligentes. Eu, por exemplo, se americano fosse, não teria votado em Donald Trump. Mas uma coisa é uma coisa e outra coisa é a preguiça de pensar.

O primeiro ano do alaranjado presidente não foi um desastre. Mais latiu que mordeu. À parte a intensa propaganda esquerdista lá e cá, o mundo hoje não me parece mais inseguro que o mundo de um ano atrás, com o sorridente e midiático Barack Obama tratando terroristas com aquela condescendência parva que só vencedores do prêmio Nobel da Paz conseguem atingir.

Acusam Trump de ter vencido por ser uma figura de entretenimento; por ter usado a seu favor a mídia (e os impasses da mídia). Pois Obama fez o mesmo, e fez antes. Figura carismática, manipuladora e tão genuína quanto Trump.

Também dizem que Donald Trump só foi eleito em virtude das mídias sociais e seus efeitos devastadores nesse mundo da “pós-verdade”. Ocorre que Obama se orgulhava de ter sido eleito porque soube fazer uso da imagem de bom moço nas redes sociais. Ele, em tese, não venceu com o voto mainstream.

Falam de Trump como se ele representasse um grande eleitorado branco e ignorante. Talvez seja verdade; talvez não seja exatamente essa, a verdade. De todo modo, o mesmo pode ser dito de Obama: deu voz a um grande eleitorado negro e latino, a seu modo também provinciano, porque autorreferente, voltado para suas causas e só para elas.

Moral da história: políticos (e respectivos eleitores) são muito mais parecidos entre si do que gostaríamos de admitir. Aqueles negros e latinos que elegeram Obama, até então figura inexpressiva na política democrata, têm o mesmo direito – nem menos, nem mais – de ser notados e representados que os brancos e ignorantes – “white trash” – que agora elegeram Trump.

Não acredito que os Estados Unidos da América – América de Trump e de Obama – sejam um país tão simples e tão simplório quanto nossos comentaristas querem fazer crer. Pode sim existir algo de podre no reino yankee, mas há mais cadáveres entre o céu e a terra do que sonha nossa vã cinematografia.

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