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“Drawing Hands” de M. C. Escher, 1948
“Drawing Hands” de M. C. Escher, 1948| Foto:

Para toda fala de Bolsonaro e de seus filhos há uma fala correspondente de Lula e de seus súditos. Isso diz muito sobre nossas opções. Gente que defendia Lula das bobagens que disparava contra a democracia, agora ataca Bolsonaro; gente que atacava Lula pelas bobagens que disparava contra a democracia, agora defende Bolsonaro. Se organizar direitinho, jogam todos no mesmo time: um na ponta esquerda, outro na ponta direita, Ciro Gomes de volante de contenção e bola pro mato que o jogo é de campeonato.

Querem ver?

José Dirceu há não muito tempo propôs uma nova Constituição; General Mourão também. Jair Bolsonaro já louvou ditadores e torturadores; Lula não só os louvou, como é amigo de alguns. Lula falou em golpe; Bolsonaro idem. Petistas habitualmente atacam o STF; o clã Bolsonaro não deixa por menos. Wadih Damous quer fechar a Corte? Eduardo ensina que um soldado e um cabo bastam para o serviço. O PT nunca gostou da imprensa e sempre a considerou enviesada; Bolsonaro não gosta da imprensa e a julga enviesada. Para o PT, a Rede Globo sempre foi culpada de tudo; para Bolsonaro, nunca foi diferente; Bolsonaro fala em varrer do mapa os petistas; Fernando Haddad fala que Bolsonaro tem de ser varrido da face da terra.

Etc.

A única (grande, por enquanto) vantagem de Bolsonaro é que não se meteu em corrupção em larga escala, nem cometeu crimes a granel. Torçamos para que também nesse quesito ele não imite o adversário. Mas já escrevi e repito: consideradas todas as coisas, o antipetismo é mais do que justificável. Não vejo como defender Lula e o PT de seus crimes continentais. Leio algures e alhures gente respeitável garantir que é possível uma espécie de autocrítica do partido, de movimento ao centro, de contrição perfeita. Não acredito nisso – e sobretudo: não admito isso.

Faz tempo o Partido dos Trabalhadores cruzou a linha que separa o acidente da substância; o transitório do permanente; o crime no varejo do crime no atacado. Esperemos sentados por uma autocrítica, pois eles não admitem que erraram. E “errar” não é o verbo mais apropriado para o que andaram fazendo com o erário. Só expia suas faltas quem as reconhece. Não parece ser o caso.

Entretanto, antipetismo não é o bastante. Serve como ponto de partida, nunca como ponto de chegada. Antipetismo é bom, mas você já experimentou reforma da Previdência? O Brasil precisa de mais, bem mais. Pensar a política nacional sem considerar o PT entre os protagonistas é razoável, mas pensar a política nacional só considerando o fim do PT é temerário.

Noutras e mais diretas palavras, a experiência no cativeiro do lulismo, esse sequestro político-partidário que durou mais tempo do que devia, não justifica nem justificará o revanchismo de quem vier a ocupar o poder. Jair Bolsonaro, família e fãs têm feito do antipetismo categoria de pensamento e cosmovisão. Isso é pouco; espero que percebam a tempo.

Dos escombros do impeachment e da prisão de Lula, a política sai aos pedaços, esfarelando, como o solitário crânio de Luzia. Quem se apressa a defender Bolsonaro alegando que o PT também fez, também falou, também ameaçou, no fundo justifica o pior do petismo. Mede-se pelos pecados do pecador: se o PT atacou a democracia, que mal há em atacá-la também? Se o PT confrontou, temos de confrontar. Se o PT agrediu, podemos agredir. Se Lula e Dilma nada entendiam de economia, Bolsonaro não precisa entender. Se Haddad apertou a campainha da vizinha, apertemos também. Se o PT tinha elã autoritário, podemos ser autoritários.

Etc?

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