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De agasalho Adidas, embriagado de si mesmo e brincando de fuzilamento: se você pensou Fidel Castro, errou. Ao que se sabe, o ditador cubano morreu de verdade. Jair Bolsonaro está vivo e são.

Vivo, pelo menos.

Em campanha no estado do Acre, que já não passa por seus melhores e mais pacíficos dias, a mitológica figura não se conteve. Fez do tripé, metralhadora; fez das palavras, ameaças; fez das ameaças, metáfora; fez da metáfora, campanha.

É claro que ele não quis dizer aquilo. Era piada. Hahaha.

Bolsonaro nunca quer dizer exatamente o que diz, mas diz. Com a força retórica de que dispõe, limitada a meia dúzia de frases, ele alcança o máximo de ênfase com o máximo de ambiguidade.

Se a declaração pegar bem, era aquilo mesmo; se pegar mal, não era bem assim.

Leitores dirão que compará-lo com Fidel Castro é absurdo. Não é. Leitores berrarão que Fidel Castro foi ditador, ao contrário de Bolsonaro. Por enquanto.

O problema é que a ditadura é sempre uma democracia desiludida à espera de seu Romeu. Convém não facilitar. Todo homem truculento já foi um bebezinho querendo beijos. Todo presidente autoritário já foi um deputadinho querendo votos.

Num cenário em que o esgarçamento moral de uns colide com o moralismo persecutório de outros, falas como as de Bolsonaro fazem muito mais mal do que bem. De vez em quando, o politicamente incorreto é apenas incorreto.

Perguntado sobre o incêndio que acabou com o Museu Nacional, saiu-se com a seguinte diatribe: “Já tá feito, já pegou fogo, quer que eu faça o quê?!”

É evidente que o desastre não é culpa de Bolsonaro, mas esse tipo de resposta sugere que, se dependesse de sua marmórea sensibilidade, o resultado não teria sido tão diferente. Sua falta de disposição para a liturgia política, sua incapacidade de dizer qualquer coisa além do jargão, mesmo quando seria fácil dizer as palavras certas, espanta.

O que espanta ainda mais que Bolsonaro é o bolsonarismo. A esta altura do texto provavelmente estarei sendo xingado em três idiomas por militantes que não conseguem perceber o óbvio: há vida para além de convicções eleitorais tão estritas.

Noutras palavras: rejeitar a esquerda não significa aceitar qualquer direita. Mesmo que esses termos – direita e esquerda – ainda façam algum sentido, o conservadorismo político e o liberalismo econômico não dependem da adesão ferrenha a este ou àquele candidato.

Não compreender coisa tão simples é não compreender muito da política em seu sentido mais nobre ou menos simplório.

Eu já escrevi nesta Gazeta que o apelo do Capitão tem sua razão de ser. A política tem razões que a própria razão desconhece, e há eleitores que esperam dele o que ele hipoteticamente entregará. Segurança pública, economia livre, instituições fortes, patriotismo.

Ordem e progresso.

Entretanto, demandas reais não podem ser usadas como desculpa – ou chantagem – para soluções irreais. Sei que abundam analistas a garantir que o momento é crítico. Como profetas bíblicos, brandem o meme e anunciam que o fim está próximo.

Muitas revoluções foram feitas com essas mesmas justificativas e, principalmente, esse mesmo elã. Ora uma revolução para frente, socialista; ora uma revolução para trás, reacionária. Sempre o mesmo ímpeto de fazer terra devastada, anunciar apocalipses, afirmar a pureza e esperar pelo redentor.

H.L. Mencken lembrava que para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada.

Os problemas atacados por Jair Bolsonaro são complexos demais. O Brasil é complexo demais. Infelizmente, Jair Bolsonaro, a cada dia que passa, a cada palavra que fala, a cada meme que inspira, revela ser uma solução simples e completamente errada.

E, com aquele agasalho da Adidas, nada elegante.

 

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