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Mazzaropi no filme "Jeca Tatu", de Milton Amaral
Mazzaropi no filme "Jeca Tatu", de Milton Amaral| Foto:

Bolsonaro passando leite condensado no pão. Bolsonaro comendo frango. Bolsonaro jogando videogame. Bolsonaro na padaria. Bolsonaro no mercado. Bolsonaro comendo pastel. Bolsonaro falando aos seus – que deveriam ser todos – brasileiros de uma sala, acompanhado de duas ou três pessoas, sob luz mortiça, numa estética que me faz lembrar as saudosas comunicações de Osama Bin Laden.

Por óbvio não o estou comparando com o terrorista saudita – nos feitos e nos defeitos. Acalmem-se. Há distâncias intransponíveis entre um e outro. Só tenho a apontar essa estudada desarrumação, essa empostada naturalidade, esse planejado improviso. Isso de ser, ou de mostrar-se, gente-como-a-gente, president next door, já está a passar das medidas.

A festa acabou, a luz apagou, e agora, Jair? Não há motivos para essa teatralidade popularesca de quem garante ao povo que é do povo também, que ele e nós, que ele e qualquer outro, sentam na mesma cadeira e assinam com a mesma caneta. Que está cuidando da República como poderia estar cuidando da roça. Sim e não.

De um lado, sim, ele não é faraó e nós não somos súditos. O presidente é um servidor, um provisório funcionário do Estado, que tem seu poder chancelado por nós outros. Doutro lado, não, ele não desempenha uma atividade qualquer. É o presidente do país, com as responsabilidades enormes do título e, portanto, com toda a liturgia envolvida.

Esse pobrismo, essa estética do populacho, essa retórica do esculacho, não convencem e não têm lugar no lugar que ele ora ocupa. Há diferenças entre fazer campanha e ser presidente. É bom que ele saiba que não é o dono do país, que seus votos não legitimam essa pretensão, mas também é bom que ele saiba que representa esse país, e que esses votos legitimam essa representação.

Insistir nisso de “Vejam como sou ignorante em economia!”, “Reparem como nem lavar a louça eu lavo!”, “Lidem aí com essa minha declaração espontânea!” é apelar ao pior, não ao melhor. O Brasil já está tão cansado do pior, do tosco, do ignorante. Lembro-me muitíssimo bem da figura incensada pelas esquerdas e desprezada pelas direitas: José Mujica, ex-presidente do Uruguai. Simples ao ponto do simplório, desarrumado quase sujo, despretensioso quase irresponsável, virou lenda de uns e caricatura de outros.

Lula, por sua vez, admitia e se orgulhava de sua iliteracia. Ler, estudar, saber mais, para o ex-presidente e atual condenado, eram e são disposições burguesas, de gente apartada do povo. Evo Morales queria porque queria ser tomado como o legítimo índio que nunca foi. Chávez e Castro sempre se vestiram espartanamente, para mostrar a quem quisesse ver que não estavam lá para extravagâncias de rico. Nunca comprei esse arremedo de ideia, nunca acreditei nesse arremedo de político.

Para tudo nessa vida há competências, habilidades, destrezas, protocolo, ética, etiqueta, arte e ciência: civilidade. O resto é demagogia. Não me animo com a figura de um presidente que se dispõe a governar um país orgulhoso dos seus deméritos, ou de sua espontaneidade, principalmente quando esses deméritos e essa espontaneidade têm algo de arranjado e de preparado, para sugestionar quem se prontifica a ser sugestionado. Nada muito diferente do populismo pegajoso de que é feita a política (em especial, latino-americana). Há muita soberba nessa ensaiada humildade. Que ao menos Bolsonaro não me apareça na cerimônia de posse calçando sandálias havaianas.

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