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"Forrest Gump: O Contador de Histórias" - Direção de Robert Zemeckis - 1994
"Forrest Gump: O Contador de Histórias" - Direção de Robert Zemeckis - 1994 | Foto:

Bristo Viana Sales tem 49 anos e foi preso em flagrante delito, em Cuiabá. Quem é Bristo Viana Sales: homicida, parricida, feminicida, eleitor do Bolsonaro, testemunha do Lula? Não. Atleta amador, maratonista. Seu crime? Orientar um grupo de corrida de rua, sem as credenciais devidas. Foi denunciado pelo Conselho Regional de Educação Física do Mato Grosso.

Pois é, existe um Conselho de Educação Física.

Passemos ao largo das questiúnculas jurídicas do caso. Tipificação penal, legislação positiva e demais obviedades. “Se está na lei é lei”, dirão. A questão é: devia estar na lei? Não devia. Estando na lei, sinceramente, deveria ser ignorado. Não há, no Brasil, o instituto da “lei que não pega”? Que não pegue.

Não bastasse nossa extensiva Constituição Federal, que pretende abarcar todos os fatos tidos, havidos e por haver, da criação do mundo à consumação dos séculos, nossos códigos civil e penal (e tributário etc…) tornam explícito muito do que implicitamente pensamos sobre o Estado.

O Estado pode tudo. Cuida de mim, Estado. Coloca a fralda em mim.

Bristo não orientava um grupo de terroristas ou de justiceiros; nem mesmo uma trupe de suicidas e mártires. Ele orientava um grupo que voluntariamente queria sua orientação para… correr.

Correr, somente correr. Movimentar-se daqui para lá, de lá para cá. O sujeito diz: “Corram comigo!” e os interessados correm com ele. E isso é crime. Forrest Gump seria encarcerado no país dos direitos e das proibições.

Um ato mecânico, natural, prosaico como correr depende de certificados, faculdades, sindicatos e conselhos para sua prática. Se feito sob orientação de quem não tem estudo para isso, “exercício ilegal da profissão”. Se feito em grupo, “associação criminosa”. É a regulação pormenorizada da vida humana, a biopolítica, o Big Brother, o absurdo.

E o que o ato de correr tem que o ato de andar não tem? Se um amigo me convidar para uma caminhada e minha pressão arterial subir, devo denunciá-lo às autoridades? E os convites do futebol? Da natação? Da dança? Do sexo?

Talvez o crime do rebelde cuiabano tenha sido o de apresentar-se como professor de corrida sem o diploma na parede. Pois que ele oriente corridas sem apresentar-se como professor: estamos acertados? Aposto que não.

Entretanto, quando o Estado, preocupado com a minha saúde, tira das mesas os saleiros, regula o açúcar dos produtos e espalha aparelhos de ginástica pelos parques e praças de muitas cidades, o que isso sugere? Instalar aparelhos de ginástica para que as pessoas façam uso deles não seria induzi-las a uma prática perigosa, sem a devida orientação?

E as ciclovias?

Pintar faixas e adaptar avenidas para que gente comum, sem maiores preparos, atravesse cidades de geografia acidentada como São Paulo não será coloca-las em risco? O Estado pinta faixas, incentiva o uso de bicicleta. De repente, um cardíaco se mete a pedalar sobre as faixas estatais com a bicicleta que o Estado lhe emprestou, e morre. Quem responde, de quem é a culpa?

Mistério.

 

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