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Felipe Stefani (Arquivo pessoal)
Felipe Stefani (Arquivo pessoal)| Foto:

FELIPE STEFANI é desenhista e professor de desenho. Nasceu no Rio de Janeiro, onde vive, surfa e trabalha (não necessariamente nessa ordem).

 

1 Eu sou burro plasticamente. Se tento desenhar uma casinha, sai parecida com um pneu. Existe cura pra isso?

Pela minha experiência como professor de desenho, tenho certeza que sim. Já tive alunos que diziam não saber desenhar como você e, em pouco tempo, já estavam se soltando e desenhando algo, com prazer e profundidade. O quão longe um desenhista pode chegar é um mistério que ninguém pode responder, mas que é possível se soltar bastante, desenvolver a técnica e a sensibilidade para o desenho, isso é certo.

 

2 Nós nos acostumamos a exaltar os pintores, os escultores. O desenho é uma arte menor?

É certo que por muito tempo foi assim e acredito que até hoje o desenho é considerado algo menor em comparação com as outras artes. O que intuo é que minha tarefa seja a de desenhar e desenhar, praticar, sem me preocupar tanto com isso (embora tenha me preocupado bastante, mais do que devia).

Eu mesmo nunca achei o desenho uma arte menor. É possível, através da apreciação de um desenho, alcançar as mesmas sensações, as mesmas elevações do espírito, o mesmo espanto, enfim; tem tudo ali que pode haver em outras práticas artísticas. Claro que isso depende da qualidade do desenho, como depende da qualidade de qualquer forma de arte, mas isso já é outra história.

 

3 Tom Wolfe disse, e eu concordo com ele, que “grafite é arte na cidade dos outros”. Discorda de nós?

Não discordo, pois entendo bem o que ele quer dizer. Muitas vezes acho que o grafite enfeia e deixa ainda mais insalubres as cidades contemporâneas, que já são, principalmente no Brasil, bem indigestas.

A maioria dos grafites me causa bastante desconforto, sempre me parece excesso de informação, muito estridentes para o olhar saturado de quem vive na urbe. Muito barulho, muito ruído. Já sobra buzina e feiura nas fuças de quem vive nessas cidades. Por outro lado, tem alguns grafites de que gosto muito, que interagem com a decadência da cidade de uma forma até que bela, inusitada, interessante. Enfim, é outro paradoxo para mim, outra contradição do gosto, que não sei resolver.  Em uma época em que andam todos tão cheios de certezas e paixões políticas, acho até que bom ter esse privilégio da dúvida; por um tempo, viver a contradição.

 

4 Qual é o limite, como é a relação, entre o artista e o espaço público?

Vivo essa relação como quem vive um paradoxo, o desenho me pede expansão total, liberdade total, continuidade, teste dos limites. Quando criança eu desenhava nas paredes da minha casa (tive que parar, claro, daí desenhava embaixo dos móveis, escondido). Já desde a adolescência tive esse instinto de desenhar pela cidade. No coração do artista, assim como na vida em sociedade, há essa luta, essa contradição, entre a expansão, a liberdade e os limites; a estética e a moral. Vivo o dilema, a contradição. e sinto que isso falta nos dias atuais, principalmente no Brasil.

 

5 Suas influências: me sentei e quero ouvir histórias.

Por incrível que pareça não sinto que tenha muitas influências especificas e diretas. Acredito que tenho uma influência “de base” no meu desenho, que vem de certa forma automática e espontânea de desenhar, que se desenvolveu, acredito, na metade do sec. XX. Não conheço bem essa história, mas cheguei nisso quando tive aulas com o artista paulistano Dudi Maia Rosa, no início dos anos 2000. Mas daí creio que fui desenvolvendo uma forma própria, muito seguindo meu instinto e através da prática. Mas a verdade é que vou absorvendo muita coisa, caótica e intuitivamente. Gosto de interagir assim com obras de arte de diversas épocas e culturas. É curioso, mas nem sempre o que mais aprecio em arte é o que mais dialoga comigo quando desenho, pois há, de um lado, aquilo que corresponde melhor à minha forma de desenhar e, de outro, aquilo que encanta mais meu olhar e intelecto.

 

6 Lei Rouanet: contra, a favor ou depende pra que lado o cano da arma está apontado?

Sou indiferente, já tem muita discussão sobre isso, ao que me parece, um apontando o cano para cara do outro. Não consigo chegar a conclusões sobre essas coisas. Se alguma empresa ou mesmo o Estado quiser me dar uma verba e um patrocínio, eu aceito, embora com bastante pesar em ver minhas pretensões a iconoclasta e fora da lei serem frustradas. O problema talvez seja mesmo na mão de quem a pólvora estoura. Temos visto que, invariavelmente, em se tratando de iniciativas do Estado, o tiro sempre sai pela culatra, ou seja, em direção ao povo. Enquanto isso vou fazendo meus rabiscos que, creio, não fazem mal a ninguém. Se encantam, instigam e transformam, mesmo que a poucas pessoas, já tive bem mais do que mereço.

 

 

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