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João Filho (arquivo do autor)
João Filho (arquivo do autor)| Foto:

 

JOÃO FILHO nasceu em Bom Jesus da Lapa, Bahia. Participou de algumas antologias e publicou Encarniçado (contos), pela editora Baleia; Dicionário amoroso de Salvador, pela Casarão do Verbo; de poesia é autor de Ao longo da linha amarela; A dimensão necessária, pela editora Mondrongo (que lhe rendeu o Prêmio Alphonsus de Guimaraens da Biblioteca Nacional 2015); e o mais recente Auto da Romaria, também pela editora Mondrongo.

 

1 Por onde se começa – como é que você começou – a ler e a fazer poesia?

Acredito que o início é uma tendência de cada um para a vontade de expressão em forma de palavra. Ao longo dos anos – se a vontade prevalecer –, o interessado dever ler e estudar a famigerada tradição. Um livro para a vida toda é História da literatura Ocidental, de Otto Maria Carpeaux. Neste livro, o crítico austríaco, naturalizado brasileiro, traça com raro rigor uma parábola histórico-literária dos gregos até a década de 1950 passando por inúmeros países e línguas.

Comecei aos 13 anos. Muito cedo vislumbrei o que chamo de “A teia”, sobre a qual falo numa entrevista feita por Claudio Sousa Pereira com Wladimir Saldanha e comigo. Lá, digo o seguinte: “Aquele menino imaginava uma raiz comum da qual surgiriam vários trabalhos estéticos, talvez em forma de desenho, palavra ou música. Prevaleceu a palavra, pois não aprofundei em estudos e técnicas os outros dois suportes. Talvez ainda faça isso com o desenho; na música, prefiro continuar como letrista, apesar de ter algum conhecimento técnico musical. Claro que, àquela altura, era um vislumbre, algo ainda muito primário, mas eu idealizava mesmo o que chamo de ‘A teia’. O menino que eu fui era – e continua sendo – um contemplativo, e o mundo é, para mim, um espanto.” Contemplação e síntese. Epifania e síntese. De tal modo que narrar se apresenta como uma dificuldade. Para meu consumo interno, escrevi o dístico: “Meu Deus! E essa mania/de pôr tudo em poesia.” Contudo, não sei se era um projeto literário essa visão inicial e imperfeita que denomino “A teia”. Era, sim, uma vontade de expressão, que arrefeceu em muitos momentos e beirou a desistência em outros. Sua estranha constância parece vir de um fator mais forte do que meus parcos recursos.

 

2 Que poetas você lê: vivos e mortos?

Muitos. Parodio Millôr Fernandes, que, por sua vez, parodiou Alexander Pope: todo poeta é minha caça. É uma obsessão. A lista é interminável. De tempos em tempos, convivo com a obra de algum poeta vivo ou morto. Tenho anseio oceânico, então, é descobrir algum bardo que eu não conhecia, pego meu arpão-estético e tome-lhe ferroadas. No entanto, por mais modulado que seja a leitura do meu diapasão poético, procuro minhas afinidades dentro de uma determinada tradição. Um exemplo: a poesia escrita na Argentina. Escarafunchei antologias, história literárias, livros de ensaios etc., etc. Assim, pude ter um panorama, para, depois, me aprofundar na leitura dos poetas que me chamaram mais a atenção.

 

3 Poesia política – boa – é possível?

É. Difícil, mas é. O elemento estético acima de tudo, e quem disser o contrário está errado. Um exemplo: A rosa do povo, de Carlos Drummond de Andrade. Muitos poemas desse livro são ideologicamente socialistas, mas o engenho e arte do poeta mineiro o impediu de cair num raso panfletarismo. Poesia é forma (não fôrma).

 

4 Há quem acuse a literatura brasileira de ser brasileira demais e universal de menos. Segue o relator?

Concordo em parte, pois de Gregório de Matos (século XVII) a Bruno Tolentino (século XX), há uma linha na qual se pode observar uma poesia brasileira com fortes características universais. E é essa que mais me interessa. Cantar a própria aldeia para ser universal não é tarefa simples. É visível, pelo menos para mim, que o drama humano pode ser situado em qualquer lugar – em Bom Jesus da Lapa, Bahia (sou de lá, logo, estou puxando a brasa para o meu surubim), ou Marte –, mas, até a década de 1970, alguns críticos brasileiros reclamavam do excessivo cosmopolitismo da obra romanesca de um José Geraldo Vieira. Quem não o leu, que leia, porque é um gigante (A mulher que fugiu de Sodoma, A quadragésima porta, A ladeira da memória, Terreno baldio etc.). Agora, se trocarmos o termo universal para metafísico – penso que não se confundem, não são os mesmos –, aí sim eu sigo o relator. A literatura brasileira, de modo geral, sofre de problemas mixurucas – quem corneou quem, quem é o broxa da vez, quem é a vítima do momento etc. A questão é a perspectiva fechada na imanência desses problemas. O corno é só um corno, não é um corno cósmico.

 

5 Fale dos seus livros, sem vergonha nenhuma. Seja sua própria puta. O leitor quer saber o que ler de você.

Até o momento, publiquei três livros de prosa, dois de poesia e um de teatro. Os de prosa: Encarniçado, contos, editora Baleia, 2004; Ao longo da linha amarela, contos, P55 editora e Dicionário amoroso de Salvador, crônicas, editora Casarão do Verbo, 2014. Os de poesia: A dimensão necessária, editora Mondrongo, 2014 e Auto da Romaria, Mondrongo, 2017. A peça é Auto do São Francisco, editora Kelps, também deste ano.

Cada livro que escrevo é fruto de minha circunstância acumulada. Esclareço. Onde o homem e sua alma se encontram naquele momento de criação com as camadas e camadas de suas vivências é que o livro surge. Uma obviedade? É possível, mas cada livro reflete uma época da minha autobiografia interior. Do primeiro – Hipperghettos – ao mais recente livro publicado – Auto da Romaria – passaram 17 anos. Visto de certo ponto é um caminho curto, mas considero que a intensidade é o seu componente preponderante – a vivência, as escolhas, as descobertas etc. Essa trajetória, apesar de sua coerência interna, é acompanhada pelo signo da errância. Tanto estética quanto espiritual. A lírica, não somente travestida em poesia, funcionou para mim como um norte magnético. No meu mapa existencial íntimo são visíveis os desvios de rota, os erros pelas vicinais, o passo suspenso à beira de abismos, o fio que me impediu de cair no poço da loucura e que, Graças a Deus, não se rompeu, porém, a constante única e inalterável é a estrela em quase pura solidão da literatura.

Para que o leitor tenha uma ideia dessa trajetória é melhor folhear cada livro e escolher o que melhor lhe apeteça. Não são difíceis de encontrar na internet. Digo isso porque dos poucos leitores que tenho, alguns se interessam mais pela zoeira vanguardista que fiz na prosa do Encarniçado. Outros preferem a prosa, por vezes lúdica, das crônicas do Dicionário amoroso de Salvador. Alguns só se interessam pela poesia. E há, ainda, aqueles que acham que eu sou só letrista. Enfim, daqui a um tempo, e se eu continuar escrevendo e publicando, terei um estoque de balconista de venda – profissão, aliás, que exerci durante muito tempo: mercadoria para quase todos os gostos. O freguês escolherá. Lembrando que o freguês nem sempre tem razão.

 

6 O que é que a Bahia tem, afinal de contas?

Cito alguns poetas vivos: tem Wladimir Saldanha, Antonio Brasileiro, Silvério Duque, Roberval Pereyr, Nívia Maria Vasconcellos, Florisvaldo Mattos, Gustavo Felicíssimo, Claudio Sousa Pereira, Ruy Espinheira Filho etc. E, para ficar na família, na prosa – Állex Leilla.

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