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"La Natividad", Cortona, Pietro da. 1658.  museodelprado.es
"La Natividad", Cortona, Pietro da. 1658. museodelprado.es| Foto:

Minha mãe morreu há sete anos, no dia 23 de dezembro, e deixou o Natal bem menos divertido. Ela organizava o Amigo Secreto, tradição que decidimos manter, e convidava (coagia) o vizinho a se vestir de Papai Noel para iludir as crianças da família. Não havia Scrooge que lhe freasse a empolgação; seria recebido a pauladas.

Ela rezava com fúria para que Deus nos protegesse de acidentes, câncer, poliomielite, desemprego, goleadas, ataques cardíacos, preguiça, ateísmo e brigas de família. Ai de Deus se não obedecesse.

Parece que obedeceu.

Lamento que as eleições presidenciais tenham estragado o Natal de muitas famílias. Pais brigaram com filhos, irmãos já não falam com irmãos, tios não querem saber de sobrinhos, primos se estapeiam em mau português, sogros e genros só têm olhos e ouvidos para delações premiadas. Como a de Judas.

Isso não aconteceu por aqui. Minha mãe se foi, mas seu exemplo ficou. Deixou regras, mandamentos, etiqueta. Sim, temos nossas diferenças. A vida, no entanto, segue adiante. Nem antes, nem agora, nossas diferenças fizeram tanta diferença assim. Nunca fazem. O que somos, senão uns solitários do berço à cova? O que somos, senão pó e vaidade?

Dizem que as brigas são justas, porque a opção política é também uma opção moral. Quando um parente, próximo ou distante, defende quem não merece defesa, significa que há cumplicidade e aprovação de crimes, erros, pecados e omissões. Pode ser. No entanto, o preço a ser pago por essa politização é muito alto. A família e os amigos têm de nos proteger do Estado, e não o contrário. Além disso, quem acredita piamente na racionalidade maligna dessas escolhas? Eu não acredito.

Quando encontro minhas irmãs, meus sobrinhos, meus cunhados e meus amigos, vejo-os como o que são: irmãs, sobrinhos, cunhados, amigos; mulheres, crianças, homens – todos, a seu modo, muito mais complexos, e fortes, e frágeis, e esperançosos, e temerosos, do que propriamente eleitores deste ou daquele candidato, militantes desta ou daquela ideologia, entusiastas desta ou daquela solução.

Tanto eles quanto eu queremos a mesma coisa: um país com uns milhares de homicídios a menos, uns milhares no bolso a mais e, sobretudo, que gentinha da qualidade desses políticos, ministros e empresários que oscilaram entre as colunas sociais e as páginas policiais sejam menos relevantes e presentes nas conversas de almoço de 2019, do que foram em 2018.

Há tantas outras coisas a dizer!

É uma pena que o que há de mais feio, sujo e tosco tenha se intrometido com tal brutalidade nos afetos e nos churrascos, nas missas e nas ceias, na cerveja e no vinho. A política não merece nossos rompimentos, inimizades e ódios. No fundo no fundo, bom mesmo é não saber o nome do procurador x ou do secretário y.

Quem é o ministro? Não sei. Quem delatou quem? Hoje não quero saber. Hoje quero um Natal sem nem lembrar quem é Sérgio Cabral ou semelhante espécime. É urgente preservar algum canto de nós em que não caibam esses nomes, essas críticas, essa política, esses conhecimentos. Um canto de ignorância, onde possamos guardar o ouro, o incenso e a mirra.

É hora de aprender de novo, para nunca mais esquecer, aqueles nomes antigos que trazem notícias novas: João Batista. Melchior, Baltasar e Gaspar. José e Maria.

Jesus de Nazaré.

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