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Capas de Pasquim e Mad (montagem)
Capas de Pasquim e Mad (montagem)| Foto:

Em poucos dias, duas efemérides (Temer, é você?) culturais coincidem com alguma melancolia: chega ao fim a lendária revista Mad e chega aos cinquenta anos o primeiro número do Pasquim.

Fui leitor ocasional de Mad e leitor assíduo dos exemplares (e das antologias) do Pasquim que encontrei em sebos e livrarias, bem como dos colaboradores que sobreviveram ao semanário carioca.

(Registre-se: a Biblioteca Nacional está prestes a entregar ao distinto público todos os números – todos os números, repito – digitalizados do Pasquim. É para agradecer e, sobretudo, ler e ler e ler.)

A Mad fez nos EUA (e no mundo) o que Pasquim fez no RJ (e no Brasil), cada qual a seu modo: crítica debochada e ceticismo frente ao discurso oficial e também ao oficioso. Não pouparam quem tinha o poder e não pouparam quem, não o tendo, aspirava a ele, para fazer com ele o mesmo que faziam os que o tinham.

Complicado? Nem tanto.

Que muito do material nos pareça datado, se lido agora, com anos de delay, diz mais sobre os leitores do que sobre o material. Explico: não são as referências à cultura popular e ao momento da publicação que envelheceram, mas a capacidade do leitor mediano de pegar as referências sugeridas, de perceber o que está para além do explícito, que caducou.

Cada vez mais, a crítica cultural e política vai se transformando numa tomada de posição, sempre muito dogmática e sempre muito chapada, lavada, desidratada. Crítica chata e sem nenhum senso de humor. Ou se é contra ou a favor deste ou daquele; ou se é de direita ou de esquerda; ou se é desta direita ou daquela esquerda; ou se torce contra ou a favor do Brasil.

Ainda que o Pasquim – por ter surgido no, e combatido o, período militar – pudesse ser confundido com panfleto, nem por isso foi hebdomadário de esquerda. Não de uma esquerda arrumadinha, carola, pra casar. Os mais de esquerda que lá escreveram eram cultos e cínicos o suficiente para não comprar discurso oficial de lado nenhum. O único discurso que valia era o deles.

Jaguar era um prodígio do humor gráfico. Paulo Francis escreveu no Pasquim para depois debutar (e desbundar) numa sua versão de liberalismo esnobe e, culturalmente falando, conservador. Millôr sempre foi animal de classificação ingrata. Sérgio Augusto, mais ensaísta de talento que esquerdista de carteirinha. Etc, longo etc, um etc cheio de gênios envolvidos.

O prêmio a essa postura é a sobrevivência no imaginário de quem aprendeu com eles, mesmo depois de mortos, aposentados ou aposentáveis, a fazer um tipo de crônica satírica, um modo de crítica anarquista, que vale mais que a sisudez de qualquer dogmática – mesmo quando, ou principalmente quando, cheia de razão.

Lembro-me de ter assistido, recentemente, a duas produções críticas à esquerda. Uma, a série russa Trotsky, que esmiúça vida e obra do sociopata morto a mando de Stálin. Outra, o filme A morte de Stálin, sátira do regime, que brinca com a hipótese (muito plausível) de não se saber o que fazer ante o inesperado passamento do genocida.

À série eu assisti com esforço. Não apenas porque julguei mal produzida e interpretada, mas porque descamba num didatismo preguiçoso e, no limite, inócuo. Quem sabe dos feitos e defeitos de Trotsky não aprende nada a mais sobre ele. Quem não sabe ou não acredita, tem a impressão de que assistiu a um panfleto mal-intencionado. Sim, Trotsky foi tudo aquilo, mas entendo quem não tenha mudado de opinião depois de ver. É como aqueles documentários sobre os “segredos da Igreja Católica”, que em todo fim de ano algum canal apresenta com ares de escândalo e denúncia. O fiel assiste, fica intrigado por cinco minutos, põe a melhor roupa e vai à Missa do Galo logo depois.

Se Trotsky não funciona, o filme A morte de Stálin, sem diálogos deliberadamente comprometedores, sem explanações de mestre-escola, consegue o feito e surte o efeito que se espera da denúncia política que vale: fazer rir do absurdo de tudo aquilo que é denunciado. Fazer com que o espectador (ou leitor, no caso das revistas) veja o tremendo, o incomensurável ridículo moral – e até metafísico – da tirania.

Ditadores lidam até que muito bem com dissidentes e intelectuais sisudos e indignados, mas se desesperaram ante os humoristas. Ditadores, autoritários, populistas e militância respectiva querem ser levados muitíssimo a sério. Rir-se deles é fazê-los chorar.

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