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Manifestação em Curitiba em apoio à Operação Lava Jato. Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
Manifestação em Curitiba em apoio à Operação Lava Jato. Marcelo Andrade/Gazeta do Povo| Foto:

Critiquei a justificativa do juiz Sérgio Moro que, ao ser questionado sobre o recebimento do auxílio-moradia, disse que o benefício, embora discutível (palavras dele), compensa a falta de reajuste nos seus vencimentos (idem). A emenda saiu pior que o soneto.

Não é preciso perder tempo com o benefício em si mesmo considerado. Nós, brasileiros, estamos acostumados a aceitar que os servidores públicos têm direito a uma vida diferente da nossa. Passemos adiante.

O que me espantou, embora eu cada vez me espante menos com certas reações, foi o escândalo que essa crítica causou nuns corações puros à direita do peito nacional. Disseram-me duas coisas.

A primeira: Sérgio Moro merece isso e muito mais, porque “está colocando o Lula na cadeia”. A segunda: criticar Sérgio Moro é “aceitar o jogo do PT”.

Temos então o seguinte cenário: Moro está acima da crítica e além do bem e do mal e, mesmo que não estivesse, a destruição do PT justificaria quaisquer métodos, atos e omissões.

Sinto dizer, mas o jogo que eu não aceito jogar é precisamente este. Sérgio Moro é um homem competente e sério. Coube a ele, para sorte nossa e azar dele, conduzir as investigações da Lava Jato. Estudioso e sistemático, acertou muito mais do que errou. Porém, há um “mas” aqui: ele fez, está fazendo, o trabalho que lhe é devido.

Sérgio Moro não é um herói, em sentido estrito. É um servidor público, recebe salário acima da média nacional, prestou concurso para isso. Estamos pouco habituados com gente assim, que faz bem o que deve ser feito, e isso certamente causa frisson.

No entanto, o magistrado não está acima ou além de qualquer crítica. Que ele receba o benefício a que tem direito – seja excessivo ou não o benefício – é uma coisa; que ele, entretanto, justifique como justificou, é outra; recebesse com discrição. Dizer que o dinheiro lhe compensa a falta de reajuste nos vencimentos foi um tiro no pé. O PT está inocente disso.

Poupar de crítica juízes, ministros ou políticos que porventura confrontem o PT é, isto sim, jogar o jogo muito bem jogado pelo PT; fazê-lo é submeter a ética pública ao carisma, ao apelo popular, à pressa da justiça que mais parece justiçamento. Eu desprezo o PT e o quero morto como opção política, mas isso depende muito mais de nós, eleitores, que deles, magistrados. O PT é culpa nossa.

Também não aceito a premissa de que criticar quem quer que seja possa dar sobrevida ao Partido dos Trabalhadores. No caso de Moro, e especialmente deste com Lula, o embate já se deu: Lula foi condenado a nove anos e meio de prisão. Passaram-se meses, interpuseram-se recursos, e os desembargadores do TRF-4 confirmaram em segunda instância – com aumento de pena – a condenação.

Jogar o jogo do PT é permitir que toda discussão pública continue a ser pautada pelo petismo: seja o petismo positivo, de quem apoia o partido, seja o petismo negativo, de quem o detesta. No fim das contas, é o petismo embaralhando, cortando e distribuindo as cartas como lhe apetece; e escondendo algumas sob a manga.

Não há mistérios, filosofias, intenções ocultas; é tudo tão simples quanto parece. A lufada de legalidade – e, sobretudo, justiça – a que a Operação Lava Jato deu início tem de restar na memória como sinal de que ninguém está acima da lei ou além da ética: nem o ex-presidente Lula, nem o próprio juiz Sérgio Moro.

Contentar-se com o maniqueismo reinante e empurrar para debaixo do tapete institucional ilegalidades ou imoralidades tidas como inofensivas, com o espírito de que, “numa guerra, vale tudo”, é não ter entendido nada; é aplainar o terreno para que os mesmos erros sejam cometidos num futuro próximo demais.

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