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Hélio Fernando, o "Negão" e Jair Bolsonaro
Hélio Fernando, o "Negão" e Jair Bolsonaro| Foto:

Vocês se lembram do Marcelo QI 2, minto, D2? Cidadão exemplar, dublê de cantor e letrista, apologista de, well, deixa pra lá. Há tempos não sabia do paradeiro dele, depois que outras drogas tomaram conta do mercado (musical). Achei que tivesse sido abduzido por alienígenas ou por eleitores do PSOL (pleonasmo, me perdoem, prometo evitar numa próxima), mas eis que ele continua entre nós, vivo e são. Vivo, pelo menos. Em sua conta no Twitter, publicou as linhas que seguem (antecipo: sic, sic e sic pra ele; grifo meu):

To querendo tocar nesse assunto, super delicado, a alguns dias . E o negão do Bolsonaro hein ? Talvez seja essa a nova nomenclatura pro escravo da casa grande. bater palma pro patrão, no caso aqui lamber o coturno do capetão. “Eu não sou racista, tenho ATÉ um amigo preto”

Que bom que ele quis tocar nesse assunto, porque eu também quero. O negão do Bolsonaro atende pelo nome de Hélio Fernando Barbosa Lopes, é subtenente do Exército, deputado federal mais votado no Rio de Janeiro, 345.234 votos, e amigo de longa data do presidente eleito. Salvo engano, não vendeu açaí para Bolsonaro, não foi seu motorista, não limpava o estábulo da fazenda.

Eu, que não faço questão nenhuma de defender Bolsonaro das críticas que recebe – muitas, aliás, merecidas –, não posso negar que é engraçado, e sintomático, que essa gente tão boa, que se assusta com o preconceito dos outros, real ou suposto, não se aguente de tamanha bondade e estoure de justo e justificado preconceito. A bondade chega no limite, faz a curva e se transforma em maldade.

Para acusar o racismo alheio, D2 trai seu próprio racismo. Para apontar a subserviência de Hélio Fernando ao “patrão”, ele o chama de “negão do Bolsonaro” – negão que, decerto, não é capaz de escolher seus amigos. Negão burro, não serve pra nada. Saibam que existe racismo do bem. Racismo progressista, libertador. Racismo do lado certo.

Essa corrida maluca eleitoral tirou gente do armário. Como Jair Bolsonaro é figura fácil de ser catalogada na taxonomia dos animais politicamente ultrajantes, muito improvisado cientista social acabou se confundindo com os valores corretos e incorretos, e meteu a colher no lugar de fala do outro. Deixa eu experimentar um pouquinho do seu lugar de fala, deixa?

Não sei se Bolsonaro é mesmo racista. Sei que dispara frases grosseiras a torto e a direito, o que não quer dizer que seu governo representará o que há de pior nele. O que intriga muita gente é que negros, mulheres, gays, nordestinos, pobres tenham dado a ele, e não ao PT, sua confiança. A identificação chapada, burra, entre identidade concreta e política identitária, entre reivindicações sinceras e revoltas insinceras, provoca esse curto circuito ideológico em quem vê ideologia em tudo. O que parece bom sentimento não passa de projeção.

Não sei o quanto é sincera a amizade entre Hélio e Jair. Sei que negão nenhum deveria ter seus afetos tutelados e fiscalizados pela correção política. Negão (Hélio e outros) tem direito até de ser preconceituoso, se quiser. Se há tanta gente revoltada neste mundo, por que diabos não pode haver negão revoltado? Ou, só porque é negão, tem de ser bonzinho, certinho, progressista, paz e amor?

À parte o preconceito que Marcelo D2 tem com o vernáculo, este sim inegável, sua fala me parece preconceituosa o bastante para que enfie a viola no saco e volte para o limbo midiático de onde não precisaria ter saído. A crença de que pode, deve, faz bem e é de bom tom dar lições de educação moral e cívica a um, and I quote, “negão do Bolsonaro”, a um “escravo da casa grande”, traduz o racismo atávico que tanta gente carrega e nem percebe, convicta de que sabe o que é melhor e pior para os outros.

Aposto que, esta altura, deve estar justificando as bobagens que escreveu, quando acreditou, por dois segundos e meio, que não era Marcelo, mas Gilberto, nem era D2, mas Freyre. Agora, convenhamos: num mundo já tão farto de preconceitos orgânicos e de virtudes manufaturadas, ser tutelado e fiscalizado por Marcelo D2 é um pouquinho demais para qualquer cristão ou negão que se preze. Até para o negão do Bolsonaro.

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