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Luiz Inácio da Silva fez aniversário. Setenta e quatro anos muito bem aproveitados e de muitos proventos. Contudo, se Luiz soprou as velinhas, quem comemorou mesmo foi Lula, o mito-fundador – e o cadafalso – da esquerda pós-redemocratização. O homem que é uma ideia. Boa, ruim, mas uma ideia na cabeça do povo e dos intelectuais.

Enquanto Fernando Haddad declarava que o país só conhecerá a paz quando Lula subir de novo a rampa do Palácio do Planalto, uma espertíssima deputada bolsonarista publicava um vídeo falso, de falsos líderes das Farc, proferindo falsas ameaças.

O vídeo foi desmentido, mas não importa: Lula é o bicho-papão que tem de ser acusado do que fez (e fez mesmo) e do que não fez (mas poderia ter feito). O ponto é que assim, sem perceber, a direita aceita as regras da esquerda e joga o seu jogo, ao fazer de Lula a causa e o efeito de todas as nossas atenções, graças e desgraças, desde que as caravelas de Cabral aportaram ao sul da Bahia.

Existem razões para isso, eu sei, estão nos autos dos processos, nas contas das empresas públicas e privadas, nas bocas dos delatores, nos bolsos dos parlamentares, nos cofres dos sindicatos, mas a mistificação passou dos limites e se tornou mitificação. Mais do que Lula, o lulismo precisa ser superado, tornado obsoleto, para o bem da esquerda e também da direita.

René Girard desvendou o fenômeno do bode expiatório, que persiste nas sociedades contemporâneas, embora tenha origem imemorial: agrupamentos humanos vivem sob o signo da violência. Isso é constante e irreprimível. De tempos em tempos, os conflitos se tornam de tal maneira insuportáveis que precisamos arranjar um objeto, um inimigo, um estrangeiro contra o qual nos unir, com o intuito de experimentar um sentido de amizade e pacificação.

Pouco importa se o bode expiatório merece ou não todo o ódio que recebe. Basta que exista, que sirva para atrair sobre si, com ou sem responsabilidade sua, a fúria coletiva. Que seja o inimigo comum àqueles que, no cotidiano, são inimigos uns dos outros. Girard observa ainda que Jesus Cristo rompe essa lógica e expõe a fragilidade do esquema, ao se oferecer espontaneamente como vítima a ser imolada.

O leitor estará escandalizado com o que presume ser minha comparação, ou com o que ela sugere. Engano seu, leitor. Lula não é Cristo, não é disso que se trata. Lula não é vítima inocente da má consciência coletiva. Lula é um homem poderoso, que embaralha e distribui as cartas da política nacional há muito tempo. Porém, há poréns.

Se a seu modo a esquerda faz do ex-presidente um Dom Sebastião tropical, por outro lado a direita, ao tratá-lo como figura quase luciferina, capaz de enfeitiçar um país com seus truques e sortilégios, termina por confirmar a autenticidade do mito. Toda crença precisa de crentes e hereges. Aliás, já o critiquei tanto e com tanta energia que decerto contribuí com o que ora constato e denuncio.

E o fato é que Lula, enfim, é um político. Poderoso, corrupto, populista, demagogo, mas um político sem transcendência. Com as forças e as fraquezas, os muitos erros e os poucos acertos que políticos conhecem bem. Não é Adão, não é Shiva. Poderia (deveria) ser vencido nas urnas, mais eloquentes que os tribunais.

Trata-lo como um político feito de carne e ossos, de vaidades e medos, e não como a projeção de todo mal ou todo bem, isso sim é ultrapassá-lo. Temê-lo como ao diabo, acreditar que é maior do que a sombra que projeta, é ser subjugado por ele. A democracia vive de símbolos, e símbolos não são bons ou maus, são o que são. Eis o perigo.

Parabéns, Lula.

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