De repente, não mais que de repente, do riso fez-se o pranto; do amigo próximo, distante. E depois de tantas idas e vindas, mentiras e desmentidos, juras e traições, news e fake news, a verdade nada bonita se estabelece. Pelo WhatsApp.
A revista Veja divulgou os áudios que divulgaram o óbvio: Jair Bolsonaro muito republicanamente mentiu no affair Gustavo Bebianno. Ele não mentiu sobre Bebianno, para Bebianno. Mentiu ao país, que há dias assistia a tudo, atônito, como se Jorge Fernando tivesse à sua maneira produzido uma versão tropical de House of Cards, estrelada por Guilherme Karan (Deus o tenha em sua Glória) e João Kleber.
Mais grave do que os motivos e os personagens em si mesmos considerados é a demonstração de que o Presidente está perdido, confuso, derrotado e impelido a mentir, antes mesmo de tentar governar. É refém dos próprios filhos, especialmente de Carlos, O Voluntarioso; é refém do núcleo teratológico da equipe; é refém de um discurso que não é seu.
Quando, durante a campanha eleitoral, Bolsonaro vendeu a promessa da governabilidade sem conchavos, do presidencialismo sem coalização, no fundo ele sabia – e seus eleitores deveriam ter suspeitado – que isso era impossível. Ele não entregaria o produto, mas anunciava assim mesmo; produto que, pelo visto, não entregará.
Além do mais, não parece vantajoso negar-se a negociar com as bancadas e os partidos, se o preço disso é ter de negociar com os próprios filhos e com as figuras pra lá de controversas desse governo que nasceu como Benjamin Button: com jeitinho e carinha de velho.
Resta saber se, com o passar dos anos, rejuvenescerá.
Existem possibilidades. A reforma da Previdência é uma delas, a maior delas, mas terá de ser negociada com um Congresso que fareja cheiro de sangue e de fraqueza. Bolsonaro foi eleito com a coluna reta, com o dedo em riste, mas já perdeu o rebolado com tanto samba político. Os gatunos reconhecem a fragilidade de longe.
Sérgio Moro apresentou um fragílimo projeto anticrime e já vem se enrolando com explicações sobre a diferença, para ele cada vez mais acentuada, entre caixa 2 e corrupção.
Enquanto isso, Paulo Guedes e respectiva equipe econômica aguardam pacientemente o fim das brigas de sangue para dar andamento aos trabalhos, vender estatais, reduzir gastos públicos e impostos, oxigenar a economia (e devem ser gratos a Michel Temer por ter pavimentado o caminho em situação desfavorável).
Se havia alguma dúvida sobre a capacidade de liderança de Jair Bolsonaro, não há mais: ele é um coadjuvante nato. Nasceu para não liderar (e, não por caso, nunca se destacou nas Forças Armadas ou no Parlamento).
Mentir é feio. Ainda mais feio é mentir quando se acusa os outros da mentira: Gustavo Bebianno e a imprensa foram tratados como mentirosos quando, no fim das contas, quem falava inverdades era o dono da caneta bic. Que nem bic era.
Cenas lamentáveis.
Que ao menos essa quizumba sirva de lição para que o eleitorado cativo seja capaz de ponderar um tantinho, ao menos por uns minutinhos, a respeito de mitologia e de superstições eleitorais e eleitoreiras. Não se trata de torcer contra ou a favor do governo – não carece, ele faz o que faz sozinho.
Trata-se apenas de reconhecer que muitas promessas são vãs, muitos amores são fátuos, e muitos encontros, como o de Bolsonaro e Bebianno, terminam assim: num ressentido soneto da separação.
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