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George Orwell
George Orwell| Foto:

Findas as eleições mais escalafobéticas desde a redemocratização, ganhadores e perdedores discursam, prometem, juram, fazem figa, jogam bingo, choram pitangas. O Messias venceu a morte. Está consumado.

O preposto de Lula, Fernando Haddad, foi pequenininho no discurso da derrota. Não cumprimentou seu adversário e ressaltou o medo que “todos” estão sentindo com a vitória do Bolsonaro. Achei engraçado o freudiano momento em que ele fala que “nós temos uma nação e nós precisamos defendê-la daqueles que de forma desrespeitosa pretendem usurpar o nosso patrimônio, o patrimônio do povo brasileiro”… Pois é. De patrimônio usurpado o partido dele entende.

Muita gente gostou e disse que seria hipócrita desejar bons votos ao novo presidente. Mas, oras, é para ser hipócrita mesmo; democracia é a arte de administrar hipocrisias. Esse reconhecimento protocolar tem valor simbólico, e não é pouco valor. Depois de um pleito mais litigioso que disputa por herança entre irmãos de classe-média, o aceno à conciliação é fundamental. É um signo de paz que, falsidade à parte, tem de ser reconhecido. No dia seguinte, Haddad fez os cumprimentos de costume. Antes tarde do que mais tarde.

Jair Bolsonaro, por sua vez, prometeu respeitar a Constituição e a legalidade. Aqui, um ponto a favor e outro contra. A favor: que ele tenha garantido que respeitará a Constituição. Contra: que ele tenha garantido que respeitará a Constituição. Esse é o tipo de coisa que não deveria estar em disputa, para precisar ser garantida. De resto, o triunfalismo de costume – compreensível. As ameaças veladas de costume – idem.

No maravilhoso mundo das redes sociais a sandice continua e não tem hora pra acabar. Bolsonaro e seus eleitores afirmavam que, se perdessem, teria havido fraude nas urnas. Não perderam. Mesmo assim, houve fraude nas urnas.

WTF?!

A tese é a seguinte: Fernando Haddad não teve, não pode ter tido, os 40 e tantos milhões de votos. Se entendi bem, Bolsonaro deveria ter conquistado 100% dos votos. Mais ou menos como acontece em Cuba e países democráticos desse jaez. Que estranho tipo de fraude: meia-fraude, fraude que não muda resultado, fraude que fica só no ameaço?

Vai saber o que foi consumido durante a campanha. A política ainda é a melhor droga lícita disponível no mercado.

Para terminar, leio que certa professora e deputada, em Santa Catarina, incentivou que alunos gravem e denunciem as críticas dos seus professores ao novo faraó, digo, presidente. Não sei por que essa timidez toda. Deveria ser extensivo aos pais e família, vizinhos e comerciantes da região. Falaram mal do führer, minto, presidente? Gravem, denunciem – anonimamente. Se na URSS funcionou e na Coreia do Norte ainda funciona, não precisamos reinventar o alcaguete. Aliás, a mesma professora e deputada que, noutros carnavais ideológicos, diz ter sido perseguida por suas posições políticas, agora se lambuza com o mel da vitória. A escola sem partido toma partido.

O truque está em dizer que deverão ser gravados e denunciados apenas os professores que porventura “humilhem ou ofendam sua liberdade de crença e consciência”. Nada menos objetivo do que isso, nada mais perigoso do que isso. Entre opinar e criticar e humilhar e ofender há um latifúndio semântico que pode ser ocupado por qualquer um, por qualquer coisa. A esquerda sempre soube disso e, não por acaso, sentir-se ofendido é hoje a moeda corrente do tão denunciado politicamente correto, que a esquerda adota e a direita denuncia – ou a direita adota e a esquerda denuncia? Já não sei mais, me perdi na tradução. O que sei é que, pelo jeito, quem foi caça quer ter seus dias de caçador.

 

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